A inteligência artificial deixou de ser uma tendência para se consolidar como infraestrutura essencial nos ecossistemas mais inovadores do mundo, e a América Latina não ficou para trás. Um novo estudo, desenvolvido pela SaaSholic em parceria com a AWS, mostra que a IA já ocupa um papel central nas operações de grande parte das empresas de tecnologia da região.
Com base em dados de mais de 400 startups latino-americanas, o relatório traça um panorama sobre como a IA está sendo adotada, monetizada e escalada no continente. Os resultados apontam que a América Latina entrou, de fato, na era da inteligência artificial, com uma adoção já massiva e um volume crescente de investimentos direcionado a soluções construídas com base nessa tecnologia.
A seguir, reunimos cinco sinais que comprovam essa virada de chave.
Uma nova potência
O relatório destaca que a adoção de IA nas startups da América Latina já alcançou níveis comparáveis aos de muitos mercados globais, e espera-se que se acelere, visto que apenas 3% não têm planos de implementá-la.
A região entrou definitivamente na era da IA, com 87% das startups latino-americanas já utilizando a tecnologia em seus produtos ou operações. “O ecossistema de startups da América Latina está evoluindo rapidamente. Os fundadores da região não estão apenas adotando a IA; estão pioneiramente aplicando-a para resolver desafios únicos, estabelecendo novos padrões de inovação”, destaca Brian Requarth, cofundador da Latitud.
O cenário também é promissor entre os novos empreendimentos: mais de 60% das startups fundadas nos últimos três anos nasceram com uma abordagem “AI-first”, indicando que a inovação do futuro será movida pela inteligência artificial.
Cerca de 27% das empresas entrevistadas classificam sua adoção de IA como “AI-integrated”, indicando que a tecnologia já está incorporada aos seus processos e produtos principais. Outros 27% se identificam como “AI-first”, tendo a IA como base essencial para seu modelo de negócios.
Alerta para empresas tradicionais
O estudo revela que uma nova geração de startups nativas de IA está surgindo com rapidez, elevando o nível da competição e pressionando as incumbentes. Mais de 60% das empresas fundadas a partir de 2023 têm a IA no seu núcleo, em comparação com apenas 25% das fundadas antes desse ano.
“A IA está rapidamente se tornando uma camada fundamental em diversas indústrias, especialmente em ecossistemas de startups orientados para tecnologia, como na América Latina. À medida que as barreiras de acesso (por exemplo, modelos abertos, APIs, ferramentas de infraestrutura) diminuem, a diferenciação passa de quem usa IA para como ela é utilizada, e quais vantagens defensáveis são construídas sobre ela”, destaca Lara Lemann, da MAYA Capital.
Embora seja mais fácil nascer como uma empresa nativa de IA do que se transformar em uma, as empresas maiores estão gradualmente incorporando a tecnologia. 21% das empresas com mais de US$ 5 milhões em receita já relatam alta adoção de IA, o que demonstra que não é apenas a nova geração que está adotando a tecnologia. As empresas maiores estão começando a se mover.
“As startups podem nascer nativas de IA. Mas as empresas incumbentes têm distribuição, fluxo de caixa e urgência. O campo de jogo está mais nivelado do que as pessoas pensam. Na América Latina, especialmente, quem conquistar a distribuição de IA para empresas será o vencedor”, avalia Paulo Passoni, da Valor Capital.
A IA já superou a fase experimental
As startups da América Latina já estão capturando valor concreto com investimentos em inteligência artificial. A maioria delas acompanha ativamente o retorno sobre o investimento (ROI), e mais de 70% das que adotaram a tecnologia relatam melhorias tangíveis em métricas-chave.
Embora haja avanço, a pesquisa indica que a monetização direta das funcionalidades de IA ainda está em estágios iniciais. Cerca de 44,8% das empresas afirmam que menos de 10% de sua receita vem de produtos ou serviços baseados em IA.
“A transição da adoção de IA para a monetização de produtos depende da transformação de tecnologia complexa em soluções práticas e tangíveis, permitindo que os clientes percebam rapidamente seu valor e acelerando a adoção”, explica Henrique Ferreira, Partner na DGF.
Segundo a SaaSholic, os dados mostram que a IA deixou de ser uma aposta futura e se consolidou como uma força transformadora no presente.
Mudança no cenário de investimentos
A inteligência artificial se tornou pré-requisito para receber venture capital, consolidando-se como um diferencial estratégico e, cada vez mais, como uma exigência para startups que buscam investimento. Na América Latina, onde os recursos são mais escassos, os aportes estão se concentrando em empresas de IA.
A pesquisa revela que 70% do financiamento para startups fundadas nos últimos três anos foi para empresas de IA. Isso representa uma mudança significativa em relação às empresas fundadas antes desse período, já que 52% delas conseguiram financiamento, mas apenas 24% desse valor foi direcionado a startups de IA.
Embora a adoção da tecnologia aumente as chances de captação, isso não se traduz automaticamente em valuations mais altos. Pelo contrário: o critério dos investidores tem se tornado mais rigoroso, com foco em resultados concretos, sem inflar os preços.
“Nos últimos anos, a maioria das startups que levantaram capital incorporou IA em sua tese — alguns fundos estão até exclusivamente focados em empresas relacionadas à IA. No entanto, os fundamentos do negócio ainda são importantes. Para os investidores, o segredo está em identificar empresas de IA capazes de construir vantagens competitivas reais e fossos defensáveis à medida que escalam”, pontua José Cacheado, da Norte.
Soluções de IA alinhadas à sua realidade
Assim como no setor de SaaS, a força da América Latina está em criar soluções de IA focadas em resolver os principais desafios da região, em vez de produzir modelos fundacionais. Esse é um cenário mais realista para a região, dado que barreiras como a escassez de capital de longo prazo, a falta de talentos qualificados e a infraestrutura limitada tornam improvável que isso mude em um futuro próximo.
Por isso, os valuations não estão (e nem deveriam estar) no mesmo nível dos do Vale do Silício. Em vez disso, a região se destaca pela aplicação da IA para resolver problemas locais, criando oportunidades transformadoras e de alto impacto, com avaliações mais alinhadas à realidade.
“Assim como em ondas tecnológicas anteriores, acreditamos que a América Latina provavelmente produzirá alguns unicórnios de IA, e talvez até um decacórnio. Mas construir uma estratégia de fundo de VC baseada nessa suposição seria um erro. Em vez disso, se nos mantivermos ancorados no contexto único da América Latina e desenvolvermos uma compreensão profunda de suas dinâmicas, estamos confiantes de que os investimentos em IA na região ainda gerarão resultados fortes e consistentes. O talento já está aqui, trabalhando”, destaca Diego Gomes, cofundador da SaaSholic.