Os fundos de venture capital no Brasil têm intensificado seu foco em sustentabilidade, direcionando investimentos para startups que desenvolvem soluções para desafios ambientais. Cerca de 55% das gestoras estão ativamente buscando negócios relacionados a ESG, e 35% já estabeleceram controles de ESG em suas próprias operações. Esses dados são do relatório anual “Venture Capital Master Guide”, produzido pela ACE Ventures com base nas respostas de 19 dos principais fundos do país.
Para os investidores mais engajados, que veem o ESG como uma questão de urgência e intensidade, 1 em cada 3 entrevistados revelou que investe ou tem buscado investir em fundadores com propostas relacionadas à sustentabilidade, às tecnologias climáticas ou ao ESG. Esses fundos reconhecem a sustentabilidade como um fator duplo: não apenas como um diferencial na avaliação de potenciais investimentos, mas também como uma estratégia para criar valor a longo prazo.
Por outro lado, 45% das gestoras brasileiras adotam uma abordagem mais agnóstica. Embora reconheçam a demanda por empresas focadas em ESG, consideram o tema como mais um ponto de atenção na escolha de negócios e na avaliação das empresas do portfólio, sem um grande foco ou intenção ativa em relação a teses de ESG.
A pesquisa destaca uma corrida intensa das startups — não apenas as que oferecem soluções de ESG — para garantir financiamento e indica que o aumento no volume de “dry powder” (capital não utilizado pelos fundos) torna essa competição ainda mais intensa. Até julho de 2024, fundos globais de venture capital e private equity contavam com um recorde de US$ 2,62 trilhões em capital não comprometido, segundo dados da S&P Global Market Intelligence. “Com os investidores cada dia mais criteriosos, é essencial entender quais são os diferenciais que podem ajudar os fundadores a conquistarem o capital”, diz o report.
O que os fundos buscam
Segundo os mais de 80% dos VCs entrevistados no VC Master Guide 2024, as startups que se destacam na busca por investimentos são aquelas que demonstram uma clara capacidade de gerar valor para seus clientes atuais, apresentando uma proposta de valor única que as diferencia dos concorrentes. Além disso, elas possuem vantagens competitivas sustentáveis a médio e longo prazo, com barreiras de entrada claras ou diferenciais competitivos significativos.
O segundo fator mais citado pelos entrevistados, em 50% dos casos, é que a startup tenha um time fundador excepcional, com habilidades complementares e uma forte capacidade de execução. Demonstrar tração no mercado — seja através de vendas, crescimento de usuários ou parcerias estratégicas — é fundamental para validar o modelo de negócios e diminuir o risco percebido pelos investidores.
O estudo também confirma o que todos já sabiam: os investidores agora dão preferência a startups com fundamentos mais sólidos, deixando de lado modelos de negócio focados em crescimento “a qualquer custo”. As startups são incentivadas a otimizar custos, melhorar margens e demonstrar sustentabilidade financeira pelos fundos entrevistados.
Os principais indicadores de desempenho acompanhados pelos VCs são a eficiência operacional, citada por 61% dos entrevistados. Eles também dizem estar de olho em receitas recorrentes (50%), no crescimento de receita (50%) e nas taxas de cash burn (44,5%).Outras métricas importantes avaliadas pelos investidores são Lifetime Value, ou LTV (38%), Custo de Aquisição, ou CAC (33,3%) e o Churn, ou taxa de rotatividade (27%).
O que faz o sucesso
A pesquisa destaca a cultura organizacional como fator essencial para o sucesso de startups. Para 78% dos investidores entrevistados, ela desempenha um papel crítico em empresas de estágio inicial, especialmente no que diz respeito à contratação, comunicação assertiva e promoção de um ambiente diversificado e em constante desenvolvimento. Além disso, 28% dos VCs apontam o time de fundadores como peça chave para consolidar essa cultura, e 22% reforçam a necessidade de uma comunicação transparente.
“Se os fundadores têm um papel fundamental na consolidação da cultura, os investidores, por sua vez, têm uma presença muito importante na evolução desses empreendedores. Por isso, após a captação, é imprescindível que exista um contato constante e transparente entre ambas as partes”, diz Pedro Carneiro, sócio e diretor de investimentos da ACE Ventures, em nota.
Para 60% dos entrevistados, a transparência nas comunicações é o fator primordial na relação entre VC e empreendedores. Cerca de 50% dos entrevistados mencionam os relatórios mensais como o principal meio para acompanhar as informações gerais das companhias, enquanto 33,5% destacam a comunicação constante por outros canais, como WhatsApp e e-mail, como um diferencial no contato direto.
O estudo revela que 80% dos VCs veem na popularização da inteligência artificial generativa um potencial transformador para startups no Brasil, com destaque para oportunidades de criação de negócios inovadores (40%) e ganhos de eficiência (35%). No entanto, 25% das gestoras expressam preocupações sobre o uso excessivo da tecnologia sem uma diferenciação clara, temendo que se torne apenas uma ferramenta de marketing. Outro ponto de atenção é a possibilidade de que as startups brasileiras se tornem meras consumidoras de produtos desenvolvidos e controlados por grandes empresas de tecnologia, como Microsoft (OpenAI), Google e Meta.
“Ao buscar investidores para sua startup, o empreendedor deve considerar as particularidades do ecossistema brasileiro. Isso pode parecer óbvio para muitos, mas a realidade é que, na tentativa de replicar o sucesso dos modelos norte-americanos, corre-se o risco de adotar métodos que não têm a mesma eficiência em nosso mercado. No Brasil, os investidores têm prioridades e objetivos distintos, moldados por um contexto econômico e cultural diferente do dos EUA — de onde chegam boa parte das referências em startups, metodologias e estratégias”, observa Pedro.
Para ele, a boa notícia é que o mercado brasileiro está construindo uma identidade própria, com uma abordagem que valoriza e atende às necessidades locais.