O Brasil tem um contexto favorável para se destacar no uso da inteligência artificial generativa. No entanto, ainda não aproveita todo este potencial e precisa superar desafios-chave para o avanço desta tecnologia no país. A maioria (63%) das startups de IA no Brasil ainda não possui uma estratégia de curto e longo prazo para o desenvolvimento e o uso da IA Generativa, e 22% dizem ainda não conseguir quantificar e mensurar os resultados do uso dessa tecnologia.
Os dados são do “Startups & Inteligência Artificial Generativa: Destravando o seu potencial no Brasil”, relatório do Google for Startups conduzido pela Box1824. Realizada em março deste ano com empresas de todo o país, a pesquisa baseia-se em entrevistas aprofundadas com fundadores de startups, formadores de opinião sobre GenAI e gestores de capital de risco especializados no desenvolvimento de startups, além de um questionário online com 63 tomadores de decisão de startups focadas em IA a fim de entender as principais dores e oportunidades do mercado.
“O Brasil precisa se fazer presente e protagonista no uso e desenvolvimento da IA generativa”, afirma André Barrence, diretor do Google for Startups para a América Latina, em coletiva realizada com jornalistas nesta terça-feira (25). O executivo destaca que, apesar do potencial de crescimento do mercado, as startups ainda estão em estágios iniciais dos seus desenvolvimentos, e têm um imenso desafio de ganhar escala. A maioria (55%) das startups 55% têm até 15 funcionários, 38% nunca passaram por uma rodada de investimento e 29% estão na fase pré-seed.
Um dos maiores obstáculos identificados pelas startups é justamente a obtenção de capital para o desenvolvimento e uso dessa tecnologia. Aproximadamente 25% das startups entrevistadas disseram não ter um orçamento específico para essa finalidade. Para facilitar a adoção da GenAI, muitas delas dependem de investimentos externos, principalmente o investimento público, apontado por 46% dos respondentes, seguido pelos investimentos privados (VCs, aceleradoras e fundos de investimento), com 38%.
“A falta de capital para startups de IA no Brasil não é uma novidade, mas ficou muito mais evidente agora. Existe a necessidade de que haja mais investimentos público e privados, e os empreendedores destacam a importância de mais políticas públicas para o desenvolvimento de IA generativa brasileira”, observa André. Cerca de 35% das startups espera que haja uma facilitação de acesso ao capital em novas rodadas de investimento, o que poderia gerar mais inovação e tecnologia brasileira sendo construída.
O perfil das startups de IA generativa no Brasil já é bastante conhecido: lideradas por homens cis (81%), brancos (78%), heterossexuais (90%), em sua maioria situados no estado de São Paulo (60%). “A diversidade do nosso país ainda não está presente em quem está construindo ou desenvolvendo a IA generativa no Brasil”, analisa André. Mais de 70% dos entrevistados estão desenvolvendo soluções B2B.
Principais desafios
A pesquisa identificou quatro frentes prioritárias para o avanço do uso e desenvolvimento da inteligência artificial generativa no Brasil. São elas: letramento, regulamentação, negócio e prontidão da sociedade. “As startups querem conexão. Conexão com recursos financeiros, com intelectuais e entre seus pares para assim promover um ecossistema de IA próspero e robusto”, diz André.
O letramento digital inclui conhecimento, compreensão e análise crítica sobre a tecnologia. “As startups consideram que a qualificação e formação de talentos é central para o desenvolvimento da IA generativa, e o sistema de educação brasileiro precisa estar preparado para responder a essas demandas”, pontua André. Cerca de 59% das startups acreditam que a educação e a conscientização sobre GenAI são essenciais para o desenvolvimento da tecnologia. Além disso, 43% consideram o desenvolvimento de soft skills essencial para desenvolvedores, 37% dizem que a evolução no ensino básico para desenvolver raciocínio lógico é fundamental para o avanço dessa tecnologia e 38% apontam a evolução no ensino superior como crucial para a preparação dos profissionais do setor.
“Com o avanço da digitalizacão, as barreiras para que um talento brasileiro pudesse trabalhar em qualquer lugar do mundo diminuíram”, avalia André. Segundo o diretor do Google for Startups Brasil, esse movimento fez com que houvesse uma maior fuga de talentos, com profissionais brasileiros trabalhando em empresas de tecnologia em outros países, contribuindo para o desenvolvimento de mercados que não o Brasil. “O talento está muito mais disputado do que já foi, com profissionais brasileiros atraídos por oportunidades fora do país por conta de melhores condições trabalhistas e remuneração.”
Um desafio bastante conhecido neste mercado é a frente regulatória para promover o desenvolvimento tecnológico responsável e ético. O estudo revela que 83% das startups acreditam na necessidade de regulamentação específica para a GenAI. No entanto, não há um consenso de como fazer isso. 27% dos entrevistados acham que esse papel deveria ser atribuído a uma agência reguladora independente; 24% acham que o tema deveria ser conduzido por um projeto de lei; 16% acreditam que a IA teria de ser regulada por entidade privada ligada às empresas do setor; 11% pensam que a IA deveria ser regulada pelas próprias empresas e 13% acreditam que não deveria haver nenhuma regulação no momento.
“É necessário mais discussões sobre o tema para criar uma regulamentação que não seja um freio brusco para o desenvolvimento das startups e da IA generativa. Além disso, é importante que os empreendedores participem dessas discussões, pois suas necessidades precisam estar representadas na regulação do país”, explica André. O relatório aponta que a falta de clareza e coordenação nas políticas regulatórias é vista pelas empresas como obstáculo para o desenvolvimento e implementação eficaz da tecnologia.
A prontidão para a sociedade envolve a preparação social para lidar com as implicações sociais, éticas e legais da tecnologia. Isso inclui preocupações com o uso e proteção de dados e também com os efeitos da IA no mercado de trabalho, com receios relacionados à substituição de determinadas funções e tarefas. “A confiança da sociedade é diretamente proporcional à transparência da IA generativa”, destaca André.
O executivo acrescenta que os brasileiros são mais otimistas com essa tecnologia do que a média global, mas que o otimismo é proporcional à preocupação com o uso responsável da GenIA. O relatório aponta que 66% dos brasileiros se dizem otimistas com a IA, contra 54% no mundo todo. E mais: 56% dos brasileiros confiam que as empresas que usam IA vão proteger seus dados pessoais e 41% acreditam que o uso dessa tecnologia aumentou a produtividade do trabalho.
Em relação ao desafio de negócios, que diz respeito à viabilidade econômica da IA Generativa, o estudo identificou que a maioria das empresas são formadas por pessoas com alta capacidade técnica, mas não possuem a mesma capacidade para transformar seus modelos em produtos comerciais. “A IA generativa ainda não encontrou o seu product market fit. Ela está em fase de experimentação para boa parte das startups e ainda não existe um plano consolidado de como essa tecnologia será incorporada no curto ou medio prazo. Os casos de uso ainda são bastante dispersos, e as lideranças têm dificuldades para encontrar novos casos de uso”, explica André.