Se nos últimos dois anos, founders tiveram que desapegar da “festa dos valuations” que reinou em 2020 e 2021 e se ajustar a uma nova realidade junto aos VCs, o boom de inteligência artificial chegou como uma luz no fim do túnel. Com empresas gringas – e algumas daqui – recebendo avaliações infladas por conta da IA, founders estão embarcando no bonde para valorizar seus negócios. Entretanto, resta a pergunta: isso vai colar com os investidores? Segundo os próprios VCs, a resposta não é tão animadora para os fundadores.
Em um painel durante a Semana Caldeira, em Porto Alegre, gestores dos fundos Catarina Capital e Invisto deram a sua visão sobre a tendência – e segundo eles, no Brasil o que mais se está vendo são startups utilizando IA para otimizar suas aplicações, um cenário diferente do que é visto em outros países, onde despontam startups com modelos de linguagem (LLMs) em IA proprietários.
“Aqui no Brasil, o que a gente tem visto muito na prática é aplicação de IA. Quando a gente olha uma startup, tem fundador que nos aborda e diz ‘eu tenho IA’. Bacana, mas o que é? O cara aplica o ChatGPT, aplica o Llama 3, Anthropic, alguma coisa do gênero. Então, é muito mais de aplicação. Na nossa visão, o que é aplicação tem que ser avaliada como SaaS normal”, dispara José Augusto Albino, sócio da Catarina Capital.
Marcelo Wolowski, sócio da Invisto, fundo sediado em Florianópolis e com foco na região sul, colocou ainda uma provocação em cima. Segundo ele, aplicar IA no core business de um negócio não será uma forma de valorizar a empresa, mas sim uma decisão para se manter competitivo.
“A gente olha para o nosso próprio portfólio, para empresas que a gente investiu 5 anos atrás, e se elas não ficarem ligadas em aplicar IA para os seus processos, para que seus clientes passem a usar, possivelmente elas já vão ser atropeladas por alguém que já está chegando para competir nesse mercado com modernidade, com IA aplicada”, pontua.
“Eu acho que hoje, falando tanto em termos de valuation como em atratividade para o investidor, aplicar IA, seja no produto, para o cliente ou dentro de casa, deixou de ser um diferencial. É uma obrigação e quase uma necessidade básica. É quase como que era cloud no passado. Se o cara não usa cloud hoje, o cara dá de cara no muro”, completa José Augusto.
Poucos deals, altos valores
Na visão de Marcelo, o Brasil deverá se firmar como um cenário de startups AI-enabled e não tanto de deep techs. É uma afirmação que encontra respaldo em um estudo recente do Sling Hub, que contabilizou no 1º trimestre deste ano 38 deals envolvendo startups brasileiras com AI em seus modelos de negócio, movimentando R$ 110 milhões.
Deste montante apenas sete rodadas foram com startups AI-first, que têm IA no seu core e tecnologias proprietárias. Contudo, essa pequena fração representou uma fatia considerável do bolo total, captando US$ 35 milhões junto a VCs.
“Acho que o que puxa valuation para cima são as quase deep techs, os caras que desenvolvem o core da IA. E o Brasil, não só no IA, acho que em qualquer outra tecnologia, a gente sempre vai ser uma indústria majoritariamente de aplicação”, avalia.
Por outro lado, José Augusto reconhece que as exceções podem aparecer – e aliás, até já estão aparecendo. Ele citou o caso da Hyperplane, startup de soluções para ajudar bancos a treinar, avaliar e implementar modelos de aprendizagem profunda (deep learning) auto-supervisionados em dados proprietários para tomada de decisões, e que foi adquirida por um valor não divulgado pelo Nubank este ano.
“Eles criaram uma aplicação de modelos de IA para o mercado financeiro, muito focada em perfis de clientes. Teve uma briga de foice para VCs, corporações, para comprar. Ninguém tem ideia exatamente do valuation, do múltiplo que o Nubank pagou, mas, realmente, foi um caso que, assim, são empreendedores brasileiros no Vale, mas é uma empresa semibrasileira, mas que, realmente, conseguiu se valorizar usando modelos de IA de uma forma específica”, pontua.