Em um cenário mais árido, com juros altos e pouca liquidez, será que os investidores deixaram de acreditar em ideias mais arrojadas e inovadoras? Em um painel durante a Semana Caldeira, gestores de venture capital deram os seus dois centavos sobre a situação – e, para pouca surpresa dos presentes, a resposta é sim.
“Eu vejo os investidores hoje menos visionários de PowerPoint e mais auditores de fluxo de caixa. Existe uma preocupação muito maior com a qualidade da receita, a consistência do caminho e a rentabilidade no curto e médio prazo. Muitos estão abrindo mão de crescimentos absurdos para garantir a independência e a sobrevivência das empresas”, afirma Karolyna Schenk, managing director do Bradesco BBI.
Contudo, na visão de Karolyna e de Laura Constantini, fundador da Nido.VC e outra participante do painel, isso não quer dizer o fim da inovação, mas com certeza é um empecilho para que ideias mais “fora da caixa” venham a florescer.
“O mercado quer modelos sólidos, com clientes fiéis e margens sustentáveis e, diferentemente do que vimos em 2021, não compra mais narrativas que prometem escala rápida a qualquer custo. “Agora, os modelos têm que funcionar a despeito da captação. O capital ajuda a acelerar, mas não substitui a validação da tese”, pontuou.
Para Laura Constantini, outro ponto que inibe os investidores a se arriscar mais está na própria elação entre os fundos de venture capital e seus próprios investidores, os LPs (limited partners). Para ela, a conexão entre estes agentes ainda é deficiente, com os fundos sendo transparentes no momento da captação.
“Depois da captação, o processo se torna opaco. Mas o que leva o LP a investir em venture capital é justamente aprender, entender o que deu errado e como o empreendedor lida com os desafios. O distanciamento atual gera distorções no modelo e acumula problemas não discutidos”, afirma.
Para ela, maior abertura e comunicação contínua com os LPs seriam fundamentais para reequilibrar o ecossistema. “Esse diálogo não só aumentaria a confiança, como poderia estimular uma retomada gradual do apetite por risco, especialmente em teses ainda não consolidadas”, completa Karolyna.
IA pode ser a saída?
Na visão da sócia da Nido.VC, o conservadorismo dos fundos reflete também o estágio de maturidade tecnológica em que o Brasil se encontra. “Quando a plataforma é madura, como um SaaS em crescimento, o risco tecnológico praticamente desaparece”, destaca a investidora, fazendo menção a rodadas mais recentes no país, como a fintech AsaaS.
“Já em plataformas emergentes, como inteligência artificial, cripto ou robótica, ainda há espaço para riscos maiores, mas esse movimento está mais concentrado em mercados como o dos Estados Unidos”, completa Laura.
Isso não significa, contudo, que o Brasil esteja fechado à inovação. Segundo Laura Constantini, setores com ineficiências crônicas, como saúde, educação e logística, continuam oferecendo oportunidades para soluções transformadoras. O problema é que a escassez de capital força os investidores a priorizar teses que já deram resultados, como fintechs, por exemplo.
Segundo dados do PitchBook este ano, 53% dos fundos ainda estão ativamente na busca por bons negócios para aportar, mas os LPs seguem aversos a risco, com verticais como logística e fintechs oferecendo uma maior “estabilidade”. Entretanto, o hype da IA pode mudar a maré, não replicando os níveis de apetite do pós-pandemia, mas aquecendo um pouco mais o mercado.
A volta (ainda tímida) dos IPOs no mercado internacional em 2025 pode ser um outro sinal positivo, devolvendo liquidez a LPs e religando parte da esteira do VC. “Se houvesse mais liquidez, veríamos mais apostas em ideias disruptivas. Mas, com recursos limitados, a escolha é investir em indústrias onde a chance de retorno é mais previsível”, finaliza Karolyna.