Até para veteranos do mercado que já viram diversas mudanças de ciclos tecnológicos, ainda é uma incógnita quais serão os impactos da inteligência artificial para as pessoas e para os negócios. Quem aponta isso são ninguém menos que Marcelo Lacerda, um dos pioneiros da internet brasileira nos anos 90, e Alex Szapiro, Head do SoftBank no Brasil e líder do fundo para a América Latina, em um painel durante a Semana Caldeira.
“Ainda estou tentando entender essa nova realidade. Quanto mais você estuda IA, quanto mais você lê, menos entende. Eu acho que inteligência artificial não é mais só tecnologia. É quase uma reinvenção da espécie humana, e nos negócios isso é algo muito impactante”, dispara Marcelo Lacerda, atualmente CEO e cofundador da Magnopus, empresa do Vale do Silício que atende clientes como Disney com soluções de realidade aumentada e metaverso.
A declaração de Marcelo — que no início dos anos 2000 chegou a ser chamado de “Bill Gates brasileiro” — tem peso. Afinal, ele fundou a pioneira Nutecnet, que anos depois foi comprada pelo grupo espanhol Telefónica e deu origem ao Terra, um dos primeiros grandes nomes da internet no Brasil.
Na visão de Marcelo, nem mesmo a maioria dos profissionais que trabalham com IA têm a noção exata do potencial da tecnologia e de seus caminhos de desenvolvimento.
“Quando desenvolvíamos software nos anos 80 e 90, o software era determinista. Agora não é mais, e você não sabe o que vai acontecer”, dispara. “Ninguém entende a IA, na verdade. E agora, com os autopilots, acho que as próximas gerações de IA serão muito desenvolvidas pela própria IA. É um fenômeno que nasce da cognição humana, mas que já não é mais tão humano”, pondera.
Na visão de investidor de Alex Szapiro, o sentimento de incerteza sobre os rumos da IA se mistura com uma leve empolgação. Não à toa, já que o SoftBank financia uma das protagonistas do mercado: a OpenAI. Para Alex, embora a disputa na infraestrutura de IA aponte para um futuro com poucos jogadores — dado o alto custo de desenvolver e manter modelos —, as possibilidades na camada de aplicações são inéditas.
“A gente não sabe aonde as coisas vão parar, e é muito difícil acompanhar a velocidade da mudança e o surgimento de empresas. Por outro lado, se na infraestrutura é muito difícil investir, a capacidade de empreendedores que começamos a ver na camada de aplicações, que trabalha os dados, é gigantesca”, avalia.
A vingança dos MBAs
Para Marcelo, na era dos autopilots e da redução dos custos de programação trazida pela inteligência artificial, o valor humano passará a residir em outro lugar. “Eu sou parte de um ciclo que era a ‘vingança dos nerds’, onde os programadores dominavam. Agora brinco que é a vingança dos MBAs, pois se o custo de desenvolvimento cai, o que vai ter valor é a criatividade, cruzar conhecimento de domínios diferentes”, pontua.
Acompanhando a linha de raciocínio de Marcelo, Alex citou o investimento recente do SoftBank na brasileira Blip, que levantou R$ 60 milhões para desenvolver capacidades de IA em sua plataforma de inteligência e marketing conversacional.
“Na prática, o que a Blip faz é orquestrar todos os sistemas da sua empresa para que você consiga falar com seu cliente via WhatsApp. Com a IA, acredito que nos próximos anos as melhores plataformas vão permitir usar um sistema e desenhar o melhor software para cada negócio usando lógica. Não podemos esquecer que, sem o componente da lógica, não é possível fazer isso”, afirma.
Em conversa rápida com o Startups nos bastidores da Semana Caldeira, Alex comentou sobre como o ecossistema brasileiro de IA está evoluindo e como o SoftBank está de olho nesse mercado para novos investimentos. “Temos conversado com muitas empresas. Logicamente, somos o que chamamos de growth stage, ou seja, investimos geralmente depois da Série B ou Série C, com cheques maiores. Então, há muitas empresas que ainda estão trabalhando para chegar lá”, explica.
Mesmo assim, o executivo do SoftBank frisou que o fundo está bastante ativo na região – no ano passado, além da rodada na Blip, participou da megarodada de R$ 820 milhões da fintech catarinense Asaas – e vê com bons olhos a nova geração de empresas de IA em surgimento no país.
“Estamos sempre otimistas, sempre olhando muitas empresas. A boca do funil é muito grande e, quando encontrarmos a empresa certa, com certeza vamos investir”, finaliza.