Se você tem mais de 30 anos, deve se lembrar do Y2K, ou como era chamado por muitos na época, o “bug do milênio”. Quem viveu a virada do século recorda da paranoia da época, em que muitos acreditavam que um colapso tecnológico estava prestes a acontecer, tudo isso porque os sistemas de computação não estavam preparados para uma mudança no calendário: segundo os mais apavorados, os sistemas iriam de “99” para “00”, tudo iria resetar e o mundo iria voltar para a idade da pedra.
Vendo em retrospecto, toda a loucura em torno do medo do Y2K hoje parece um exagero, mas por idos de 98 e especialmente em 99, isso foi muito real, virando pauta de inúmeros telejornais, de cultos religiosos do fim dos tempos, se tornando um frisson muito além do desafio tecnológico que representava.
É por isso que Y2K Timebomb (disponível no HBO Max), é uma experiência tão interessante. Em vez de apostar no formato conhecido de muito documentário, misturando imagens do passado e depoimentos atuais falando de um determinado momento na história, o filme resolve recriar o sentimento da época, como uma tentativa de cápsula do tempo para um momento hoje bastante distante – pois é, 1999 já está a 25 anos de distância.
Baseado totalmente em imagens de arquivo, apresentadas em uma contagem regressiva de 1996 a 1999, o filme recorta reportagens de televisão, programas de entrevista da época, discursos de políticos e especialistas consternados com o possível colapso que o “bug do milênio” poderia trazer.
Por ter essa estrutura cronológica, o filme imprime até uma certa tensão. Se em 1996, as reportagens tinham um tom mais comedido e educacional, já em 1999 o tom era outro, adquirindo contornos quase apocalípticos, com reportagens mostrando pessoas indo para os supermercados estocar alimentos, dicas de sobrevivência no caso de um desastre, e a cobertura da véspera do ano novo virando um acontecimento, mostrando a virada em todos os países possíveis para ver se tudo estava bem.
Aliás, o filme não esconde a acidez ao mostrar o sensacionalismo – ou em outros casos, o completo despreparo – de diversos veículos jornalísticos na cobertura do assunto. Algumas reportagens de emissoras do interior dos Estados Unidos mostradas no documentário são uma mistura de riso com espanto, dado o amadorismo somado ao potencial de gerar pânico na audiência.
Tudo isso é acompanhado de uma trilha sonora que acentua o nervosismo, o que de certa forma ajuda a entender o sentimento de incerteza e preocupação que muitos viveram principalmente no último ano antes da virada do milênio, tanto que mais da metade do documentário foca no ano de 1999, quando muita gente começou a levar mesmo a sério a paranoia do Y2K.
Dependência tecnológica
Para quem não viveu essa época, Y2K Timebomb é uma grande maneira de conhecer um período em que um desafio tecnológico virou uma preocupação real do público em geral, talvez o primeiro momento em que notamos a dependência de nossa vida cotidiana tem na tecnologia. Para quem viveu, é uma boa para dar risada e lembrar como a paranoia de algo solucionável quase saiu do controle – vide pessoas que venderam tudo e foram morar em fazendas, outras que até se suicidaram, e cultos religiosos que transformaram um bug de computador em teorias para o fim do mundo.
Entretanto, no fim das contas, além de uma viagem no tempo, este documentário serve como um espelho para as discussões que temos até hoje sobre a tecnologia, e sobre as preocupações que mudam cada vez mais rápido. Ao longo do filme, não é de se admirar caso você começar a pensar nas atuais paranoias sobre a inteligência artificial. A tecnologia atual pode ter avançado horrores em relação ao que tínhamos em 1999, mas o ser humano não mudou muito não. Nada como um bom documentário para instigar essa reflexão. Fica a dica para o seu fim de semana!