Zona de Interesse, um dos filmes mais peculiares da atual corrida do Oscar (e que estreou esta semana) é um longa perturbador na maioria de seus momentos. Entretanto, em alguns trechos, a obra de Jonathan Glazer conseguiu ser contundente de uma forma ainda mais específica – e me fez vir aqui não apenas para recomendar, mas para fazer uma provocação.
Para quem não sabe, o filme comete a ousadia de contar o dia a dia de um dos mais execráveis oficiais nazistas – Rudolf Höss, o líder das atrocidades em Auschwitz – e de sua família. Mais do que isso, o filme mostra, sob uma ótica sem julgamentos, a completa alienação destas pessoas ao horror que acontece do outro lado do muro de sua idílica casa, que fica literalmente ao lado do campo de concentração.
É esta alienação, este completo descolamento da realidade é o que se vê nas sequências que mostram Höss em seus afazeres profissionais. Ele é um ser desumano, coordenando práticas de genocídio, mas ao mesmo tempo não passa de um burocrata, tomando decisões monstruosas como se ele estivesse apenas gerenciando um negócio.
Um dos momentos mais chocantes do longa mostra um grupo de oficiais nazistas discutindo de forma fria como tornar os crematórios mais eficientes e econômicos para executar mais judeus em menos tempo. Ambicioso, Höss pensa nisso de forma pragmática, sem nem cogitar as implicações abissais que seus atos carregam. Ele abraça o desafio como um funcionário sedento por reconhecimento e, movido pela ambição, ele arquiteta um dos episódios mais repulsivos do Holocausto: uma operação com o seu nome, que transportou e assassinou 300 mil judeus em poucas semanas.
O que mais me assustou na forma como Zona de Interesse mostra estas decisões terríveis, é como essas conversas não são nem um pouco diferentes de uma reunião de negócios em uma empresa convencional. Isso colocou uma pulga atrás da minha orelha, me fez refletir sobre o quanto o ser humano é capaz de ignorar seu lado humano em favor de um objetivo profissional ou de negócios.
Me fez pensar sobre o quanto muitos empresários deixam de lado alguns de seus valores para favorecer seus negócios. Me fez pensar sobre o quanto as empresas pensam nos impactos de uma demissão em massa, ou se elas colocam o seu pesar em afetar centenas de pessoas em um lugar separado, focando no objetivo maior que é o negócio.
Já ouvi de muitos executivos o comentário de que “não existe demissão em massa humanizada” – ou seja, tirar o emprego de alguém, especialmente alguém que não estava merecendo ser demitido, é inevitalmente uma decisão desumana. Os impactos podem ser minimizados, mas o mal, em um grau ou outro, foi feito, em prol da empresa.
Antes que alguém fique indignado, quero deixar bem claro que jamais compararia um founder ou um executivo de empresa a figuras tão desprezíveis como foram os nazistas. Nem em sonhos dá pra relativizar o prejuízo de tirar o emprego de alguém com tirar a vida de uma pessoa. Entretanto, é válido refletir como que, até em casos extremos, um ser humano consegue esconder o peso de suas decisões atrás de uma mera rotina de trabalho, ou o comprometimento com “algo maior”.
Não é algo fácil de digerir, mas Zona de Interesse traz uma reflexão terrivelmente real. Em um grau mesmo que ínfimo, é possível ver pontos em comum até com as pessoas mais horríveis da história. Um filme desafiador, mas que vale muito a pena conferir.