*Bárbara Axt, de Lisboa, especial para o Startups
Durante a manhã, uma densa neblina cobre a área de Lisboa onde os participantes chegam para o primeiro dia do Web Summit 2023. Mais difícil do que achar o caminho para os muitos pavilhões em meio às nuvens baixas (e geladas) é fugir do assunto Inteligência Artificial nas discussões do evento.
Venture Capital? Legislação? Podcasts? A IA generativa atravessa todos os temas e conversas do encontro que começa oficialmente hoje (14) com 70,2 mil participantes de 153 países.
“Como podemos desfrutar da inteligência artificial e ao mesmo tempo mantermos a liberdade de informação e a democracia?”, pergunta a CEO, Katherine Maher, na abertura dos trabalhos. “Como evitar desinformação, perda de empregos e os vieses embutidos no sistema?”
Bom, essas são algumas das questões que serão discutidas incansavelmente nos próximos dias, a começar logo na primeira apresentação do palco central: Andrew McAfee, do MIT, defende que a inovação deve acontecer livremente e que “erros sejam fáceis de corrigir, e não impossíveis de acontecer.”
Em um momento em que cada país está trabalhando em sua própria legislação sobre IA, Andrew divide a discussão em dois campos opostos. De um lado, aqueles que defendem a “Inovação sem Permissão” (permissionless innovation). Do outro, os defensores da “Regulamentação de Cima para Baixo” (upstream governance).
Colocando-se firmemente no primeiro time, ele defende que sejam criadas regras e leis para reger pesquisas e desenvolvimento, mas que inovadores não sejam obrigados a esperar por autorizações e permissões de órgãos legisladores para ter acesso a certos recursos ou testar e desenvolver projetos.
Ele argumenta que o processo de inovação é intrinsecamente caótico e incerto, e que é impossível saber de onde inovações vão surgir. E que por isso, propostas como o AI Act dos Estados Unidos são contraproducentes. “Os defensores da ‘Regulamentação de cima para Baixo’ acham que estão fazendo uma escolha entre microgerenciamento e turbulência”, afirma Andrew. “Mas quem escolher microgerenciamento vai ter turbulência do mesmo jeito”, conclui.
IA não é jogo de futebol
Próximo nome a ocupar o palco principal, Albert Wenger, managing partner da Union Square Ventures (USV), deveria, supostamente falar de venture capital e fundos de investimento. Mas o assunto logo desvia para… exatamente: IA.
Ele discorda que seja preciso escolher um lado quando o assunto é a regulamentação da nova tecnologia. “Não se trata de um jogo de futebol em que é preciso escolher um time.” Afirma. “Essa abordagem não funciona para cenários tão complicados: nesse caso, os dois times podem estar errados”, crava.
E aprofunda a conversa, com um alerta: “Sobre este assunto, eu tenho uma opinião impopular: Acredito que para termos inovação rápida e sem regulamentação em IA, precisaremos abrir mão de uma coisa: nossa privacidade.”
Wenger acha incompatível, no longo prazo, o avanço tecnológico em áreas estratégicas ou de grande risco como, por exemplo, pesquisa em novos vírus, sem um grande nível de transparência. Mas ele explica que não são apenas os cidadãos comuns que resistem a essa lógica. “Os governos não gostam da ideia de transparência total. Isso leva a uma obrigação de prestação de contas (accountability) mais intensa do que eles se sentem confortáveis.”
Agora sim, o venture capital
Sobre as previsões do mercado de investimentos para 2024, ele é pessimista. “Algumas empresas fizeram tanto dinheiro em 2021 e 2022 que depois criaram incentivos para manter seus valores artificialmente altos”, afirma. “Acho que 2021 vai ficar conhecido como uma ’’safra ruim’, e muito do dinheiro que foi investido naquele período não vai ser recuperado.”
Ainda no assunto investimento, Wenger, que recentemente publicou o livro “O Mundo Depois do Capital” (The World After Capital), expõe sua opinião sobre os recursos financeiros.
“O que me tira o sono à noite, para falar a verdade, não é a Inteligência Artificial. É a crise climática. E eu acho que a IA pode ser usada de várias maneiras para ajudar a resolver este problema.” Observa. “Nós temos recursos suficientes no planeta para investirmos em IA, e também em naves espaciais, e ao mesmo tempo encontrarmos uma solução para o problema climático.”
“Mas para isso, precisamos de uma transformação tão profunda quanto a que aconteceu quando deixamos de ser coletores e criamos a agricultura, e depois quando criamos a revolução industrial. Precisamos também de uma democracia radical. Não basta irmos às urnas votar de dois em dois anos.” Ele afirma. “Não vamos conseguir resolver a crise climática e os problemas atuais sem uma grande transformação.”