Nohoa Arcanjo foi picada pelo bichinho das startups em 2019, quando recebeu o convite do marido, Rodrigo Allgayer, para entrar no projeto da Creators LLC, uma plataforma que faz o match entre marcas e criadores de conteúdo por meio de tecnologia e curadoria especializada. Desde então, ela lidera a área de growth da startup unindo os conhecimentos da graduação em marketing com o que aprendeu na prática no ecossistema de inovação e o apoio de programas de aceleração, outros empreendedores e trabalho prático.
Mas antes de chegar no empreendedorismo, ela fez carreira no mercado de moda. Começou trabalhando com confecção e estilo e produziu editoriais para revistas como Elle e Vogue, além de desfiles do São Paulo Fashion Week e Fashion Rio. A mudança de área veio com muito foco e determinação: Nohoa pegou uma agenda onde tinha o contato de marcas de moda em todo o Brasil e ligou de número em número em busca de uma oportunidade – que só veio quando chegou na letra T.
Em um papo de peito aberto com o Startups, Nohoa falou sobre os desafios da transição de carreira e do início da trajetória empreendedora, além de diversidade no ecossistema de startups e a importância de apoiar outros fundadores. Veja, a seguir, os melhores momentos da conversa.
Você começou a sua carreira no mundo da moda. O que te motivou a entrar nesse mercado e depois por que decidiu mudar de área?
A popularização da moda como profissão coincidiu com o meu início na faculdade. Tive algumas experiências na área como assistente de estilo em uma confecção no Brás, em São Paulo. Depois, percebi que mandava melhor na parte de conexões e articulações. Na faculdade, havia uma divisão entre negócios e estilo. Decidi estudar a parte de negócios, mas não apenas de moda.
Então, transferi para o curso de marketing, mas continuei atuando com moda por um tempo. Fui produtora e trabalhei em desfiles e editoriais. Nessa época, conversava muito com as marcas e montei uma agenda com os telefones e endereços de todas do Brasil. Um dia, decidi ligar para todos os contatos perguntando se tinham uma oportunidade na área de marketing. Fiz isso até chegar na letra T, na TNG.
Ao longo dos anos, atuei em outras empresas, incluindo a joalheria Pandora, ao lado de Rachel Maia, que na época era a única CEO preta do Brasil. Eu estava lá quando ela saiu na capa da Você S.A, que chocou o país inteiro. [A edição trouxe o levantamento de que no atual ritmo, as empresas brasileiras levariam 150 anos para igualar o número de pessoas negras em seus quadros à proporção de afrodescendentes no país, e destacou Rachel Maia como uma exceção de liderança negra no mercado].
Pegou todo mundo de surpresa naquele momento. Eu estava lá dentro da empresa, achava o máximo trabalhar com ela, mas não sabia que ela era a única, ninguém tinha feito esse levantamento. Não tinha ideia de que eu era tão privilegiada assim, de trabalhar com a única até o momento. Foi uma experiência incrível estar em uma multinacional com um CEO preta, aprendi muito e tive o contato com a operação em outros países. Foi um processo de desenvolvimento pessoal e profissional importantíssimo e muito gratificante.
Quando estava no meu 5º ano na Pandora, meu marido estava fazendo o MVP da Creators. Já tinha uma certa tração, ia receber um investimento-anjo e a coisa começava a ficar séria. Como eu já entendia de marketing, ele me chamou para trabalharmos juntos. Fui picada pelo bichinho da startup. Foi amor à primeira vista.
Como foi o processo de transição?
Recebemos o investimento-anjo e em um intervalo de 4 meses fomos selecionados para o 1º programa de aceleração do Google For Startups, que foi a melhor coisa que poderia ter acontecido. Apesar de ter uma trajetória cheia de conhecimento e facetas do mundo do marketing, quando cheguei na Creators precisava fazer um monte de coisa, e eu não tinha a menor ideia de por onde começar. A cadeira de founder é bem diferente da de especialista.
De um dia para o outro, tinha que entender de jurídico, financeiro, pessoas, marketing, produto, tudo ao mesmo tempo. O Google foi uma benção nesse momento. Ele tinha um programa early-stage que não existe mais hoje, para pessoas em um estágio bem inicial que precisavam provar o product market fit e entender mais de produto, tecnologia e modelo de negócios. Consegui fazer mentorias com experts e foi quase um MBA.
Essa aceleração me deu muita base tecnológica. Como mulher preta, tinha apenas o básico necessário para trabalhar na área de marketing – o que não é a mesma coisa que ter um negócio baseado em tecnologia. É uma lógica muito mais aprofundada. Ajudou muito nesse aprendizado.
Você percebe alguma melhora nas condições para que pessoas negras possam ter sucesso no ambiente de startups no Brasil?
Vejo uma evolução como um todo. As marcas estão entendendo a responsabilidade de trabalhar pautas de diversidade internamente e são cobradas pela sociedade. Não dá mais para se esconder dessa pauta. É uma evolução a passos lentos, precisamos evoluir muito mais. Mas hoje vejo muito mais CEOs pretos, principalmente em negócios com foco em diversidade.
Faço parte de algumas comunidades de founders mulheres e vejo que há microecossistemas. Existem grupos de mulheres founders, das investidoras mulheres, e as iniciativas de e para pessoas pretas criarem startups e negócios de tecnologia. O Black Founders Fund, do Google, e a BlackRocks, da Maitê Lourenço, são exemplos disso. Há um suporte, pessoas se juntando para evoluir junto. Mas ainda há diferenças, como no tamanho dos cheques em rodadas de investimento, que não são os mesmos se comparamos empreendedores negros com a classe privilegiada.
Para você qual é a importância de mentorar e aconselhar outros empreendedores depois de ter construído a sua própria jornada no ecossistema?
Uma das coisas que me encantou muito quando saí do mundo corporativo é que o ecossistema de startups tem um acordo universal do give-back [retribuir]. Como é um ambiente muito adverso, em que é preciso ter uma ideia, testar, ver se tem demanda, achar engrenagens, há diversos desafios o tempo todo.
Sempre contamos com o auxílio de mentores, investidores-anjo e advisors, mas também de outros founders que já passaram por essas experiências. O give-back é muito importante para mim, sinto que retribuir é uma obrigação, porque sem isso a Creators não estaria no patamar que está hoje. Fui muito ajudada no início, então foi um presente ter a oportunidade de ser mentora na B2Mamy no projeto Womby, focado em capacitar mães e mulheres em situação de vulnerabilidade para que elas se especializem em profissões digitais.
Quais são as expectativas para o mercado de economia criativa nos próximos anos?
Percebo que a Creator Economy está crescendo muito. Todo mundo está vendo acontecer a migração da verba de mídia para conteúdo, os marketings já estão diversificando suas ações de impacto e entenderam que falar com comunidades de criadores de conteúdo gera um super engajamento e intenção de compra. Dificilmente tenho contato com uma estratégia que não inclui marketing de influência em alguma ponta.
Temos acompanhado um crescimento exponencial desse mercado. A Creators cresceu 400% de 2020 para 2021, e ano passado, mais 300% em relação ao ano anterior. Estima-se que até 2030 o mercado de marketing de influência chegue a US$ 143,10 bilhões.
O que você gosta de fazer no seu tempo livre?
Exercício. É uma necessidade e tenho a meta de fazer pelo menos 3 vezes por semana. Comecei a fazer uma aula de samba fitness em uma academia do lado de casa, estou adorando. A professora é passista, eu costumo dizer que pago para passar vergonha na aula, mas mesmo assim me divirto.
Raio X – Nohoa Arcanjo
Um fim de semana ideal tem: Família. Tenho uma filha de 4 anos e o melhor som do mundo é o da risada dela. Tem também amigos, descanso e uma boa exposição de arte
Um livro: “Pense de Novo”, de Adam Grant. É um livro que fala da importância de termos um lado cientista e curioso, duvidar das afirmações e pesquisar para ver se é isso mesmo, se estamos realmente certos
Uma música favorita: A música do momento é “Loro”, da Esperanza Spalding. Mais instrumental, uma referência de música clássica
Um prato preferido: Frutos do mar e salada de frutas
Uma mania: Penso em voz alta. Me pego ensaiando uma fala ou repensando a agenda do dia, porque repetir me ajuda a guardar as informações importantes
Sua melhor qualidade: Fazer conexões. Me conecto bem e o fluxo do give-back do ecossistema de startups facilita isso e traduz a importância de se conectar com clientes, criadores, investidores e outros founders, pois traz muita riqueza e acelera a curva de aprendizado.