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Esta edição do “5 Minutos com” poderia facilmente se chamar “50 Minutos com” – ou várias horas mais. A verdade é que a conversa com Romero Rodrigues é daquelas que flui naturalmente por sua biografia recheada de histórias e aprendizados para contar. Engenheiro elétrico de formação, o paulistano foi um dos fundadores do Buscapé, em 1999, e liderou a operação da plataforma de comércio eletrônico até o fim de 2013.

Ao longo dos anos, tornou-se figura ativa e bem conhecida no mercado de inovação. Foi membro do conselho da Endeavor e da Movile (dona do iFood) e, ainda no Buscapé, deu início a uma nova jornada profissional como investidor-anjo. Em 2016, tornou-se sócio da Redpoint eventures, ajudando a estruturar um portfólio de startups das quais cinco vieram a se tornar unicórnio: Rappi, Creditas, Gympass, Olist e Pismo.

Em 2021, o executivo deu um passo a mais. Romero uniu-se à Redpoint e à Headline (antiga e.ventures) para levantar um terceiro fundo, estruturado a partir da criação da Headline Brasil. Atualmente, a gestora opera em parceria com a XP Asset para formar um portfólio de até 25 startups em cerca de quatro anos, e já realizou aportes em 8 companhias incluindo Smart Break, Fiibo e Fin-X.

Em um papo de peito aberto com o Startups, Romero falou sobre a decisão de deixar o Buscapé e como foi fazer a transição de founder para investidor. Além disso, compartilhou suas perspectivas sobre o momento atual do mercado e contou quais são os planos da Headline para 2024, além de refletir sobre o que o futuro reserva para sua vida profissional. Veja, a seguir, os melhores momentos da conversa:

Você fundou e esteve à frente da operação do Buscapé até 2013. Como foi ver esse filho crescer e andar com as próprias pernas, e decidir iniciar uma nova fase na sua carreira?

Foi difícil. Vendemos o controle do Buscapé para a Naspers em 2009, mas até 2013 eu praticamente não sentia que tinha vendido a companhia. Na época, a Naspers deu muita liberdade para nosso time tocar a estratégia e seguir desenvolvendo. A sensação de que a minha história com o Buscapé iria terminar veio no fim de 2013, quando houve uma reestruturação global na Naspers.

Uma reestruturação de como os ativos eram organizados, o que fez com que a operação do Buscapé fosse dividida em vários pedaços. Naquela época, o Buscapé como um todo tinha acabado de superar o Mercado Livre em receita no Brasil. E eu não acreditava no fatiamento do negócio, porque a beleza do Buscapé era que a gente tinha 30 marcas no guarda-chuva Buscapé Company (incluindo Hotmart e VTEX) todas super integradas, e começou a fatiar.

Então, tive que lidar com o fato de que, realmente, minha história com o Buscapé iria se desconectar, porque eu não acreditava mais naquilo. Eu achava que o que estava sendo feito não seria bom para a empresa, que a companhia iria perder presença – o que, infelizmente, aconteceu. Minha saída ocorreu quando não estava mais conseguindo ajudar na estratégia do Buscapé, pois havia uma outra estratégia da qual eu não concordava.

Com a Redpoint, como foi passar da cadeira de founder para a de investidor?

Essa transição foi super sutil e natural. Em 2009, quando saiu a notícia da venda do Buscapé para a Naspers, muitos empreendedores começaram a me procurar, assim como aos outros fundadores do Buscapé, em busca de mentoria. O mercado naquela época era muito escasso e a saída do Buscapé foi grande e ocorreu quando ainda não tinham exits praticamente.

O empreendedor tem a certeza de que vai apanhar do mercado, e precisa saber como apanhar e sobreviver. Então, ele prefere ter ao seu lado alguém que também apanhou e sobreviveu, ao invés de um cara fortão que bateu em todo mundo. Empreendedores com problemas semelhantes aos nossos começaram a entrar em contato pedindo mentoria. Eu topei e foi uma delícia. Começaram a oferecer ações e a possibilidade de investir nas companhias, participar do conselho e ganhar share.

Tive a sorte de ser um dos primeiros investidores da Gympass. Não porque sou genial e fui atrás da Gympass, mas porque a dor que eles tinham com as grandes academias era parecida ao que enfrentamos no Buscapé com as grandes lojas. Quando decidi sair do Buscapé, olhei para tudo o que tinha na minha mesa. Podia pensar em empreender de novo, trabalhar em uma grande empresa ou participar dos conselhos de grandes organizações.

Mas quando vi, tinha 30 investimentos em startups e adorava aquilo. A parte mais gostosa do meu dia era sentar com os empreendedores e conversar. Estava no board da Endeavor, fiquei seis anos no conselho, e decidi pegar o que eu já amava fazer no meu dia a dia e transformar aquilo meu core business. Então, foi natural. Esse movimento começou em 2009 com os primeiros investimentos-anjo, mas se configurou como uma nova carreira a partir de 2014, quando entrei na Redpoint.

Pode ser difícil identificar uma startup que será um sucesso logo de cara, porque vários fatores internos e externos influenciam no êxito das companhias. Mesmo assim, você tem no portfólio vários cases de sucesso. A que você atrela essa conquista?

O fundo I da Redpoint tem cinco unicórnios – Rappi, Olist, Gympass, Creditas e Pismo. Mas foram 36 investimentos no total – empresas muito boas que não viraram unicórnio, como a RD Station. E também teve muita coisa que deu errado. A gente constrói um portfólio e um número de investimentos justamente pela incerteza que existe, inclusive em identificar alguns pontos importantes.

Mas acho que a gente acertou em ter muita disciplina em seguir com o que acreditávamos, e com aquilo que ouvimos e aprendemos com os nossos sócios do Vale do Silício. A Redpoint e Headline (ex-e.ventures) tinham décadas de experiência de venture capital e conheciam as armadilhas para não entrar em valuations inflados, não ficar apaixonado pelo modelo de negócio ao invés de se apaixonar pelos founders, a importância de negociar os direitos certos no deal, mas sem exagerar. A disciplina de falar não e saber que perder um deal não é o fim do mundo – e nós perdemos alguns muito bons como 99 e Nubank, e mesmo assim entregamos um fundo maravilhoso.

Além da disciplina, foi importante escutar quem tinha experiência no setor há muitos anos. E acho que o mais importante foi o olhar para as pessoas em si. Não investimos nos founders que necessariamente tinham o inglês perfeito, eram estrangeiros ou que sem dúvidas conseguiriam levantar a próxima rodada. Claro que esses são fatores legais, mas a gente queria bons operadores. Fomos atrás de empreendedores que tinham soft skills como capacidade de ouvir feedback, refletir sobre as provocações, entender seus pontos cegos, trazer um time muito bom e ser ótimo vendedor. Tudo isso nos colocou em uma posição escolher bons founders – o que, no fim do dia – é o principal.

Quais são as prioridades da Headline para 2024 e como estão as suas expectativas em relação ao mercado?

Entramos em 2024 com oito empresas investidas e queremos montar um portfólio com entre 20 a 25 startups ao longo de quatro anos. Diria que estamos no ritmo certo. Um dos objetivos do ano é seguir procurando e encontrando boas empresas, alocando capital. Junto, obviamente, da parte mais gostosa que é ajudar de alguma forma as já investidas no dia a dia e em tudo o que elas têm de desafio.

Não existe necessariamente uma meta de quantas empresas vamos investir no ano, depende do que encontrarmos. Mas temos mantido uma média de olhar entre 1.300-1.500 companhias a cada semestre. Então, acho que esse ano entre 2.500 e 3.000 companhias vão passar pelo nosso processo de análise.

Em relação ao mercado, adoraria falar que o pior passou, que o cenário vai melhorar e ficar tudo bem. E pode até ser, acho que até tem uma chance para isso, mas para o empreendedor não tem benefício em ser otimista no planejamento. Tem que ser paranoico, cético, crítico. Se você faz um planejamento que sobrevive a esse momento, é dali para cima, não vai ter surpresa ruim.

Seja paranoico no planejamento, mas otimista na execução e liderança. Não adianta chegar triste e preocupado, pois isso vai contagiar todo o time. Já na hora de planejar, a minha opinião é que é sempre mais saudável ser um pouco mais cético, acreditar que as coisas podem demorar um pouco mais para melhorarem ou que elas podem piorar rapidamente. Essa é minha recomendação para os founders: cash is king, como sempre. Ainda tem pouca liquidez no mercado, e muito fundo que pode ter dinheiro, mas não necessariamente vai investir agora porque não sabe se vai conseguir captar um novo fundo neste cenário ainda.

Em relação ao seu futuro profissional, pensa em empreender novamente e voltar para o lado inicial da mesa, como founder?

Não penso. Claro que o futuro a Deus pertence, a gente nunca sabe. Tem muito chão ainda e dá para ter muita carreira. Mas acho que se for para fazer alguma coisa diferente do que eu faço hoje, faria algo realmente diferente. Talvez, num determinado momento, daqui 20-30 anos, queira explorar um outro lado, quem sabe o artístico, ou qualquer outro.

Pensei bastante antes de me tornar um gestor de venture capital profissional. A minha bússola se baseia muito no ponto de vista intelectual. E acho que, intelectualmente, o que faço hoje me alimenta muito. Estar com pessoas mais inteligentes do que eu, o dia inteiro aprendendo sobre mercados que não conheço, tendo que entender o momento macroeconômico e geopolítico, além de como tudo isso deve afetar a sociedade nos próximos 10 anos para imaginar se determinado produto ou serviço pode dar certo ou não, e avaliar os empreendedores. Acho que poucas atividades oferecem tanto do lado analítico e intelectual quanto a que atuo hoje.

Além disso, o Buscapé foi uma história que me alimentou muito. Começamos quando não existia nem mercado, nem startup, nem fundo, com R$ 100 por mês. Foi aquela história toda romântica que todo mundo escutou e vai ser difícil uma outra jornada empreendedora ser tão cativante quanto o Buscapé foi para mim. Ainda assim, me sinto empreendendo. Primeiro, com a própria Headline, mas também através dos empreendedores que a gente apoia. 

Raio X – Romero Rodrigues

Um fim de semana ideal tem… Meus filhos

Um livro: “Sapiens – Uma Breve História da Humanidade”, de Yuval Noah Harari; ou “Meditations”, de Marcus Aurelius

Algo com que não vivo sem: Um bom vinho

Uma música: “For What It’s Worth”, de The Buffalo Springfield

Um prato preferido: Amo um bom omakase, mas também churrasco e carne vermelha

Uma mania: Ser bagunceiro e usar camisetas velhas e furadas

Sua melhor qualidade: Tentar ser ponderado e balanceado nas análises ou decisões. Estar sempre pensando em diferentes cenários e as possibilidades deles acontecerem. Essa característica de análise de diferentes cenários ajuda muito no tipo de trabalho que faço, mas às vezes significa que vou levar um pouco mais de tempo para tomar uma decisão, pois preciso ponderar um pouco mais. Além disso, ter honestidade intelectual, ou seja, tentar evitar ao máximo os vieses que existem, principalmente os de confirmação, que nos fazem achar que só porque foi bem-sucedido em uma situação, empresa ou mercado, o founder tem que fazer tal coisa ou ser de um jeito. Busco ser provocativo quando interajo com as startups e os founders em quem invisto, ao invés de ser prescritivo. É muito ruim um investidor que tenta prescrever e não reconhece que só porque uma coisa deu certo, não significa que vai dar de novo.

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