* Felipe Ladislau é sócio da Organica
A pauta da diversidade vem ganhando espaço nas organizações. Nos últimos anos, foi possível perceber o crescimento do número de empresas que investiram na implementação de ações afirmativas, contratação de especialistas e até mesmo na estruturação de áreas funcionais dedicadas ao tema.
Em 2021, um estudo produzido pela consultoria Mais Diversidade mostrou que 97% das empresas brasileiras pretendiam investir em diversidade naquele ano, mas cerca de 65% ainda não possuem um programa estruturado sobre o tema. Além disso, apenas 28% possuem uma área específica sobre o assunto.
Os números mostram um avanço, mas também deixam claro que ainda há um longo caminho a se percorrer. Para aqueles que ainda relutam em investir no tema, o prejuízo financeiro e impacto negativo nos resultados serão consequências naturais.
De acordo com a Deloitte, empresas que trabalham a diversidade acima da média produziram uma proporção maior da receita de inovação (45% do total) do que aqueles com diversidade abaixo da média (26%), o que se traduziu em desempenho financeiro geral mais forte.
Além disso, um estudo realizado pelo LinkedIn ano passado concluiu que 88% das empresas brasileiras preferem fazer negócios com organizações que tenham como um dos pilares a diversidade.
Dito isso, profissionais negros estão desempenhando um papel fundamental como agentes de mudança que operam por dentro das organizações. Para escrever esse artigo, conversei com mulheres que são protagonistas e trabalham e/ou vivem essa revolução em empresas como FARM e Semente Negócios.
Percepções e realidades
No começo deste texto, falei sobre o crescimento da pauta de diversidade e inclusão (DEI) nas organizações. Mas isso é, de fato, sentido pelas pessoas negras? Antes de qualquer coisa, é preciso entender que se a transformação não for genuína, o sistema não se mantém de maneira sustentável. As áreas acabam não sendo priorizadas e consequentemente passam por corte (seja de verba ou de equipe). Mas uma vez que a transformação é feita de maneira estratégica e transversal, a empresa muda de dentro pra fora.
Porém, de acordo com a Semente, existe um aumento no esforço das empresas em trabalhar o tema, seja por meio de programas de apoio ao desenvolvimento de mulheres ou pessoas negras no pipeline de liderança das organizações, na implementação de políticas e práticas de gestão de pessoas com foco na diversidade, bem como um aumento na implementação de programas que visem o desenvolvimento das comunidades do entorno dessas organizações, promovendo o que chamamos de geração de valor compartilhado.
Trabalhar com esse tema pressupõe assumir que para além das pessoas serem todas iguais, elas possuem necessidades diferentes que passam por questões individuais ou coletivas frutos de uma construção social em nossa sociedade.
Como é ser uma agente da mudança?
Conversando com alguns “agentes da mudança”, percebi que estar nesse local é um misto de sentimentos, englobando o desejo de mudar uma realidade que impacta nós mesmos e nossos pares. É preciso ter esse propósito muito bem estabelecido para construir melhores condições de vida para pessoas diversas e promover uma educação empreendedora que visa o desenvolvimento sustentável.
Trabalhar a interseccionalidade da diversidade (gênero, raça, classe social, geracional, entre outras) precisa ser sempre na terceira pessoa, é frequentemente trocar o ‘ELES’ pelo ‘NÓS’”.
Assumir esse papel de agenda da mudança, entretanto, é desafiador. Não podemos deixar de destacar a importância e necessidade de dividir essa responsabilidade para que não sobrecarregue ninguém.
Essa sobrecarga também está diretamente ligada ao envolvimento pessoal que essas questões tomam na vida dos agentes. O contato com altos volumes de casos relacionados a racismo e outras discriminações, torna muito difícil não afetar e respingar em tudo o que já vivemos. No setor de DEI, por exemplo, a criação de processos é uma etapa muito importante para dar tração aos casos e conseguir envolver outros setores nas tratativas.
O olhar para a saúde mental
Como você deve estar imaginando, a saúde mental é impactada no processo de diversas maneiras ao longo da trajetória de trabalho, principalmente quando se é sujeito de uma estrutura que não te favorece e muitas das vezes impõem barreiras para o desenvolvimento profissional e social, mesmo que haja movimento para mitigação disto. Trabalhar para ser agente da mudança é viver o próprio objeto de pesquisa e trabalho. Para Josy Santos, que é gestora de projetos em Inovação Social e Empreendedorismo Feminino, atuar nessa área é saber que “quando eu falo, por exemplo, do impacto do racismo no desenvolvimento da carreira de mulheres negras, eu estou falando da minha carreira também”.
A importância da liderança negra em DEI
Falando sobre essa presença da liderança negra em DEI, existe um movimento chamado “nada sobre nós sem nós” que destaca a importância de contar com os grupos afetados no assunto tratado.
Em recente conversa com a líder de Diversidade e Inclusão na FARM Rio, Caroline Sodré, percebemos que quando você vive, na prática, o tema que articula, certamente as tratativas são mais eficientes, alinhadas e empáticas. Existe um limite de atuação entre teoria e prática. Por mais que o profissional branco que ocupa essa cadeira seja competente, terão articulações que vão para um lugar de vivência que não faz parte do espaço de experiência dele.
É importante ressaltar também o impacto social positivo causado, já que ainda vivemos em uma sociedade na qual a posição de liderança ainda é de difícil acesso para a população preta brasileira.
Novamente olhando para dados: segundo uma pesquisa realizada em 2021 pela consultoria Tree Diversidade em parceria com o Grupo TopRH, o perfil dos profissionais que trabalham com diversidade nas organizações são de maioria branca (51,1%), mulher cisgênero (75,7%), heterossexual (63,8%) e sem qualquer tipo de deficiência (94,2%).
Muitas vezes as empresas entendem que para liderar a pauta de diversidade e inclusão dentro da companhia é importante falar a língua do meio empresarial: ter habilidades de gestão, planejamento, saber lidar com metas e métricas. Quando esse perfil se combina com representatividade, a expectativa é que as mudanças avancem mais rapidamente.
A participação de pessoas negras como líderes em DEI leva para o campo de discussões e construção de soluções e há uma grande diferença no trabalho desempenhado quando, além de negra, a liderança possui consciência social. De qualquer maneira, ainda falta para muitos o estudo profundo sobre as pautas e o entendimento do processo.
Balanço das mudanças e perspectivas do futuro
Para finalizar esse artigo, trago um balanço das mudanças na pauta racial e da diversidade nas organizações nos últimos anos, além das perspectivas para o futuro.
Tenho percebido a busca pela ampliação do conhecimento sobre a temática diversidade e ESG por parte das organizações. Isso se mostra positivo no sentido de encontrarmos um ambiente favorável na proposição de ações que sejam mais efetivas. Empresas como a Semente Negócios são exemplos que é possível promover impactos positivos na mitigação dessas desigualdades, com projetos como “Mulheres do Nosso Bairro” e “Empreenda Como Uma Mulher”, iniciativas para fomentar o empreendedorismo feminino e “Vai Tec”, programa de empreendedorismo periférico que acontece em São Paulo, desenvolvido com um olhar da lente das questões sociais da periferia.
Em outras conversas com quem atua em outros mercados, a percepção é um pouco diferente e as mudanças acabam sendo muito vazias, pouco embasadas e superficiais. O problema dessa superficialidade é que muitas empresas encaram esse desafio atrelado a uma descredibilização do assunto e com uma ampla resistência na hora de dialogar sobre privilégios e posicionamentos estratégicos do negócio para alta liderança. Porém, ainda existem os pontos positivos, como a maior visibilidade da pauta ESG, maior protagonismo sobretudo de pessoas pretas, taxas de empregabilidade maiores na média e alta liderança, fóruns constantes e profundos sobre o tema.
A presença do profissional negro ainda se faz figurativa em muitos espaços. Já existe uma parcela alta de profissionais negros trabalhando com diversidade, porém, também existem profissionais qualificados para outras áreas. Podemos ter destaque em todos os campos, e não apenas falando de questões que nos atravessam pessoalmente.