*Rafael Medeiros Mimica é sócio na área de contencioso da TozziniFreire Advogados
Foi publicada, em junho de 2021, a Lei Complementar nº 182, que institui o chamado Marco Legal das Startups e do empreendedorismo inovador. Além de delimitar as atividades empresariais que se enquadram na modalidade de tratamento especial, tida como startup, ela dispõe de medidas de fomento ao ambiente de negócios e ao aumento da oferta de capital para investimento em empreendedorismo inovador. Entre elas está a proteção do investidor que faz aporte de recursos em startup, mas que não resulte em participação no seu capital social.
Um dos maiores temores de quem investe no Brasil é a responsabilização por dívidas da sociedade investida. Afinal, por muito tempo, carecemos de critérios objetivos mínimos para a desconsideração da personalidade jurídica e de regras procedimentais que garantissem um contraditório prévio a quem pudesse ser responsabilizado por dívidas sociais.
É certo que legislações específicas, como a consumerista e a ambiental, já tratavam, para casos delimitados, da desconsideração da personalidade jurídica. Contudo, para as relações civis e comerciais, isso começou a se alterar com a entrada em vigor do Código Civil atual, que originalmente dispunha que, havendo abuso da personalidade jurídica, caracterizada pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, os bens dos sócios ou administradores da pessoa jurídica poderiam ser utilizados para a satisfação de dívidas da sociedade.
Mais recentemente, essa parte do Código Civil foi alterada pela Lei nº 13.874/2019, que ficou popularmente conhecida como a Lei da Liberdade Econômica. Em tese, foram estabelecidos critérios mais precisos para a constatação do desvio de finalidade, ou da confusão patrimonial, necessários para a desconsideração da personalidade jurídica, enquanto a eventual responsabilização de sócio ou administrador ficará limitada àqueles que, direta ou indiretamente, beneficiaram-se do abuso.
Três anos antes da Lei da Liberdade Econômica, entrou em vigor o novo Código de Processo Civil. Com ele, estabeleceu-se que a desconsideração da personalidade jurídica deverá ser precedida de contraditório, garantindo-se àquele que poderá ser responsabilizado por dívidas da pessoa jurídica a possibilidade de se defender previamente. A prática, até então, era que a desconsideração fosse efetivada antes mesmo da oitiva do sócio ou administrador.
Responsabilidades do investidor
O Marco Legal das Startups dispõe que o investidor que aportar recursos na startup por meio de instrumento que não resulte em participação no capital social da investida, que não participar da gerência ou da administração da empresa, não responderá por qualquer dívida desta, inclusive em recuperação judicial. Vedou-se, também, a extensão a tal investidor das disposições referentes à desconsideração da personalidade jurídica existentes na legislação vigente.
Exceção à vedação da responsabilização do investidor por dívidas da startup é quando se estiver diante de hipótese envolvendo dolo, fraude ou simulação.
O que se percebe é que o Marco Legal das Startups protege aquele investidor que apenas faz aporte de recursos, mas não participa da gestão do negócio. Para aqueles que têm voz ativa na condução das atividades, o risco de responsabilização continua existindo, desde que preenchidos os requisitos legais para tanto.
Dessa forma, o investidor em startup deverá atentar para os limites impostos pelo Marco Legal, mitigando os riscos de ser responsabilizado por dívidas sociais.
Cabe mencionar que disposições semelhantes já constavam da Lei Complementar nº 155/2016, naquilo que ela tratou a respeito do investidor-anjo. Nesse sentido, o Marco Legal das Startups se junta a outras disposições legais, reforçando a busca pela criação de um ambiente juridicamente seguro e, consequentemente, estimulante para o empreendedorismo inovador.