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Artigo: O Marco Legal das Startups errou ao não regulamentar os planos de stock options

Artigo: O Marco Legal das Startups errou ao não regulamentar os planos de stock options

*Nathália Grizzi é advogada e sócia e Nathalia De Biase é advogada e associada da área empresarial do Martorelli Advogados

Há um dito popular antigo que diz: “diz-me com quem andas e te direis quem és”. Reinterpretando essa famosa sabedoria popular sob a ótica das startups, podemos pensar em algo do tipo “diz-me quem te acompanha em teu negócio e te direis quanto vale”. Tão (ou talvez até mais) importante do que ter uma boa ideia, o novo empreendedor deve se preocupar em atrair e reter os talentos que o acompanharão no desenvolvimento da empresa. Acrescente ainda à equação o fato de que, em geral, as startups precisam competir com as empresas mais consolidadas – e, consequentemente, mais capitalizadas – pela atração e manutenção de bons profissionais.

E como fazer isso então? É aí que os chamados planos de opção de compra de ações – ou em inglês stock option plan (SOP) – podem representar fator decisivo. Apesar de ser uma tendência de mercado – é praticamente mandatório que uma startup tenha um SOP – e de termos assistido a discussões específicas sobre o tema durante a tramitação do projeto de lei que virou o Marco Legal das Startups, a regulamentação dos planos de stock option ficou de fora da legislação. A verdade é que a Lei Complementar nº 182/2021, em alguns momentos, pareceu apenas um tímido aceno ao ecossistema – se negando a discutir temas sensíveis e fundamentais para o efetivo desenvolvimento do ecossistema inovativo no País, tais como incentivos fiscais para os investimento feitos em startups e para os investidores-anjo e os próprios planos de stock option – quando comparada tanto com as expectativas do mercado brasileiro quanto diante do que se tem discutido e praticado em nível internacional. Por conta disso, o O Marco Legal das Startups errou ao não regulamentar os planos de stock option.

Aspectos trabalhistas e fiscais dos SOPs, por exemplo, têm sido matéria constante de discussão nos tribunais nos últimos anos, e daí a importância do aperfeiçoamento do instituto que, se usado em toda sua potencialidade, é capaz não somente de atrair e reter grandes profissionais, mas de amadurecer a estrutura societária e empresarial das startups e do ecossistema como um todo.

De maneira simplificada, planos de stock option garantem a possibilidade de empregados/administradores estratégicos da empresa adquirirem participação societária em um determinado prazo e por um preço pré-estabelecido (strike price) e desde que atendidas determinadas condições (as chamadas cláusulas de vesting). Significa dizer que é ofertada a esses profissionais a oportunidade de se tornarem sócios das startups em condições muito mais vantajosas do que as experimentadas pelo mercado.

Os SOPs são fundamentais para garantir a competitividade de mercado das startups na busca de talentos e, mais ainda, para contribuir na construção de uma mentalidade de cocriação e de geração de valor em cadeia para o negócio. Ao ofertar uma parcela de participação na empresa, o que se busca, em geral, é reter os empregados/administradores por um longo tempo, alinhar incentivos, criar a cultura do pensamento de longo prazo e, assim, criar uma cadeia virtuosa que agrega valor para o negócio e, consequentemente, para os beneficiários do SOP, que passam a ser donos, em conjunto, da empresa. Clara aplicabilidade do conceito do win-win.

Na prática, os planos de stock option são operados considerando, ao menos, as seguintes características:

(a) qual o percentual do capital social vai ser destinado ao plano (o que deve ser matematicamente alinhado considerando os efeitos da diluição dos demais sócios e, em geral, gira em torno de 10% a 25% do capital);

(b) qual a natureza das ações que serão ofertadas (se ordinárias ou preferenciais, com ou sem direito a voto);

(c) se haverá cláusula de vesting, condicionante, portanto, à aquisição dessas participações societárias (o que é mais o comum), e quais serão os prazos e as métricas utilizados para aferir o atingimento dessas condições;

(d) qual o tempo de “carência” que deve ser observado pelo beneficiário do plano até que seja iniciada a análise das métricas (o que é especialmente necessário para startups em estágios muito iniciais e usualmente se chama período de cliff); e

(e) qual será o preço para aquisição da participação (strike price).

Além da relação estabelecida entre startups e os seus talentos, os planos de stock options (existentes ou a serem desenvolvidos) são também muito bem-vistos – para não se dizer constantemente exigidos – pelos investidores. Especialmente quando se fala em investimento-anjo (esse foi, a propósito, um dos conceitos trazidos pelo Marco Legal), é inegável que, no contexto do ambiente de risco, a demonstração de que o grau de comprometimento dos empregados/administradores poderá ser recompensado com possibilidade de compra de participação societária adiciona elemento importante na equação de risco do investimento realizado. A lógica é: parece mais vantajoso – e, por tabela, menos arriscado – investir em um negócio que conta com alto comprometimento de quem o desenvolve.

De toda sorte, o “prêmio” é alcançado por todos os lados: seja pelo empreendedor que vê a sua boa ideia decolando, seja pelo investidor que acrescenta camada adicional de segurança no seu investimento de risco ou, ainda, para os empregados/administradores que, com sua dedicação, conquistam a possibilidade de ser parte de uma grande empresa (tanto sob a perspectiva do potencial retorno financeiro quanto porque as ideias inovadoras são, não raras vezes, capazes de mudar o mundo). E, sem dúvidas, isso pode ser um ótimo negócio: no final das contas, tudo é sobre pessoas!