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Artigo: O que os empreendedores negros de Nova York e as empreendedoras do Brasil têm em comum

Está que os grupos minorizados são mais afetados do que homens e pessoas brancas na hora de manter e ter sucesso no comando de seus negócios

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*Por Arlane Gonçalves, consultora de diversidade, equidade e inclusão e coordenadora do grupo de trabalho de políticas públicas de diversidade do Dínamo

Em 2020, a prefeitura de Nova York publicou o primeiro relatório sobre suas empreendedoras e empreendedores negros. Numa cidade com 22% de pessoas negras, foi constatado que apenas 2% dos negócios pertencem a elas. Os principais desafios apontados por esta população empreendedora foram: o acesso a capital e crédito, e o acesso a clientes.

Em 2021, o IRME (Instituto Rede Mulher Empreendedora) fez um levantamento nacional que identificou os principais desafios das empreendedoras brasileiras: o acesso a recursos financeiros e crédito, e a venda dos produtos e serviços.

Quando se trata do empreendedorismo de inovação e tecnologia, ecossistema que está dentro deste grande universo de empreendedorismo, esta realidade de ausência mais acentuada de acessos para determinados grupos se repete tanto lá quanto cá. Para além do relatório de NY e do IRME, está demonstrado em vários dados de domínio público que os grupos minorizados – dentre eles o de mulheres e o de pessoas negras – são mais afetados do que homens e pessoas brancas pelo não acesso, desproporcional, a recursos para fundar, manter e ter sucesso no comando de seus negócios. E isto se intensifica, principalmente, em momentos de crise, como durante a pandemia.

A BlackRocks Startups mostra que 25% das startups são fundadas por pessoas negras, enquanto a Abstartups identifica apenas 17% de mulheres fundadoras. Num país com 56% de pessoas negras e 51,2% de mulheres (IBGE), o impacto deste grande potencial não explorado é gigantesco: vai desde a falta de inovações que solucionem as demandas específicas da maioria da população, até um grande atraso econômico. O Instituto Locomotiva revela, por exemplo, que a população negra consome cerca de R$ 1,7 trilhão ao ano – mesmo neste cenário de desequilibrada ausência no comando de negócios e na formulação de serviços e produtos.

Ciente da necessidade urgente de mudar estes cenários, o Dínamo, think tank de políticas públicas para startups, fundou recentemente o Grupo de Trabalho de Políticas Públicas de Diversidade, cujo objetivo é propor ações para que os agentes públicos enderecem tais disparidades com intencionalidade.

O GT conta com especialistas de políticas públicas, tecnologia, inovação, empreendedorismo e diversidade – sendo protagonizado por 67% de mulheres, 58% de pessoas negras e 33% de mulheres negras. Ele une a experiência acadêmica com a de negócios e, considerando a dimensão e proporção da população de mulheres e de pessoas negras no Brasil, inicia suas discussões tomando como ponto de partida o alavancamento de empreendimentos inovadores comandados por estes grupos. O plano é também, como próximos passos, afunilar a construção das propostas de políticas públicas a partir das especificidades de outros grupos sub-representados e Interseccionalidades.

A fundação deste GT é um dos movimentos do Dínamo dentro de um projeto de diversidade de longo prazo. Como afirmam o presidente e o vice-presidente da organização, Rodrigo Afonso e Felipe Matos, “especialmente em ano de eleição, é imperativo intensificar a discussão, a visibilidade e a formulação de políticas públicas que tornem os recursos e oportunidades mais acessíveis às mulheres e pessoas negras. Só assim será possível alavancar a presença destes grupos no ecossistema de startups”.

As startups – empresas caracterizadas pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados – ainda estão longe da crescente discussão de diversidade e Inclusão no mundo empresarial.

Maria Rita Spina, diretora executiva da Anjos do Brasil e membra do GT, ressalta ainda que “o empreendedorismo de inovação e tecnologia é chave para o desenvolvimento econômico e social de um país. Entretanto, ele só atinge o seu pleno potencial de geração de riqueza e de soluções relevantes para a nação quando há diversidade entre os que empreendem”.

Guilherme Santos, pesquisador de inovação e assessor da FAPERJ, outro membro, acrescenta que “o Estado precisa reconhecer que a diversidade é um dos motores da inovação, e que o primeiro passo é garantir a legitimidade desta pauta na sociedade e entre os gestores públicos, a fim de sustentar a formulação de políticas públicas adequadas”.

A partir de debates sobre os grandes temas da área, dentre outras atuações previstas, o GT produzirá o “Playbook de Diversidade: um Manual de Políticas Públicas Afirmativas de Gênero e Raça para Startups”.

NY e Brasil, mesmo em contextos diferentes, enfrentam sérios desafios históricos de inclusão de mulheres, pessoas negras, dentre outros grupos, no ambiente e no protagonismo de negócios – e o Estado, com o seu papel de acelerador e disseminador de grande alcance, faz-se decisivo para impactar e reduzir a assimetria desta conjuntura.

Vale mencionar: o relatório de NY foi produzido justamente para embasar a implementação de uma Política Pública, de alto investimento, voltada para mudar o atual e inconcebível número de apenas 2% de empreendedoras e empreendedores negros.

A formação do GT do Dínamo é complementada por Angelica Mari, editora-executiva do Startups; Aline Ferreira, gestora de projetos na edtech DIO; Allana Cardoso, cofundadora da Kilombo Tech; Arlane Gonçalves, consultora de diversidade, equidade e inclusão; Denis Gonzaga, gerente sênior de produto na Via; Diego S. Silva, coordenador do INOVA RS; Fabrícia Garcia, especialista em inovação e direito digital; Gustavo Glasser, fundador da Carambola Tech; Yazmin Nieto, fundadora da Integra Diversidade; e Mariana Macario, especialista em equidade nas organizações.