*Evelyne Néia é head de plataforma e investimentos pela Grão
O ano de 2023 trouxe desafios à economia global, com crises no mercado de capitais ligadas ao aumento das taxas de juros e ao contexto geopolítico. Se, por um lado, os principais nomes da indústria de criptomoedas passaram por escrutínio, os Modelos de Linguagem de Grande Escala (LLMs), a exemplo da OpenAI, foram capazes de dar fôlego à indústria de venture capital, em desaceleração desde 2022.
O mercado de IPOs se recupera, mas mais de 60% das empresas que abriram capital nos Estados Unidos neste ano negociam em desvalorização em relação ao preço da oferta pública inicial. Sintomas de tempos difíceis.
No último trimestre, sobretudo, a América Latina viu uma retomada, ainda que discreta, dos deals de VC – muito por conta do dry powder que alguns fundos têm na região. De acordo com um relatório do CB Insights, o montante investido no terceiro trimestre deste ano dobrou em relação ao período anterior, um crescimento dez vezes superior na comparação com ecossistemas de outras áreas do mundo.
Passada a fase mais rigorosa de um inverno que parece estar ficando para trás, as startups que atravessaram essa jornada comprovaram que resiliência e adaptação são fundamentais e, agora, têm priorizado unit economics mais sustentáveis. Diante disso, o que esperar para a indústria de venture capital em 2024?
LLMs: startups thin-wrappers vs thick-wrappers
A popularização dos modelos de LLMs trouxe um respiro ao mercado. Novas startups têm usado a infraestrutura de empresas como Anthropic, OpenAI ou mesmo soluções open source, como a LLaMA, da Meta, para criar produtos próprios. Essa dinâmica movimentou largamente a indústria no early stage e, de alguma forma, deve seguir influenciando o ecossistema no futuro próximo. Existem, porém, algumas ressalvas no que diz respeito à defensibilidade de longo prazo – e é justamente o que vale termos em mente.
O objetivo das empresas de LLMs como a OpenAI é se transformar em plataformas, alavancando o surgimento de muitas novas startups que construam produtos usando sua infraestrutura. É aqui que entram os conceitos de companhias thin e thick-wrapper.
As thin-wrapper, que em tradução literal significam “embalagem fina”, são empresas que utilizam a infraestrutura de LLMs para criar soluções com casos de uso claros, mas facilmente replicáveis. Exemplo notório é a Jasper, que surgiu em 2020 com uma solução de IA para copywriting utilizando o GPT-3. A empresa chegou a uma avaliação de US$ 1.5 bilhão, mas, em 2022, com o lançamento do ChatGPT e a oferta pela OpenAI de um funcionalidade gratuita semelhante, viu sua demanda cair e seu valuation ser reajustado em -20%, enquanto todo o segmento crescia a passos largos.
Enquanto players da indústria de venture capital, nós da Grão, temos dificuldade de encontrar uma vantagem competitiva relevante em companhias como essa, já que, possivelmente, elas vão disputar mercado não só com a camada de infraestrutura, mas também com outras empresas que surgirão para resolver a mesma dor do mercado.
Do outro lado, temos as companhias thick-wrapper –”embalagem grossa”, em português –, que fazem uso de infraestrutura de LLM para o aprimoramento de um produto cuja função é independente. Em geral, essas empresas são capazes de compilar uma jornada completa para o cliente, proporcionar experiências personalizadas, apresentar recursos de colaboração, ser de um domínio ultra específico ou, ainda, fazer uso de uma base de dados proprietária.
Exemplo de uma thick-wrapper é o Canva, que usa LLMs, mas não compete diretamente com a camada de infraestrutura, uma vez que a empresa que a fornece dificilmente terá interesse em criar soluções altamente personalizadas como as oferecidas sob uma camada de aplicação. Esse é o modelo em que enxergamos maior potencial no longo prazo dado o atual contexto da indústria de venture capital.
O avanço de marketplaces B2B
Outro segmento que temos olhado com atenção na Grão é o de B2B marketplaces, que tomou conta dos headlines de funding entre 2021/2022, não só pela abundância de capital, mas pelo aumento da demanda por soluções digitais durante a pandemia. As oportunidades que esses modelos encontraram em países emergentes como o Brasil foi a tempestade perfeita para cumprirem seu papel de transformação digital associada à inclusão financeira dos PMEs, ajudando nos processos de procurement, gestão de fluxo de caixa, capital de giro, etc.
Em um contexto de restrição de capital, há uma mudança quase que imperativa para modelos asset-light – sem ativos físicos como estoques, armazéns, bem como logística própria –, até mesmo pela redução dos custos operacionais.
Posto isso, as perspectivas para o ano de 2024 são cautelosamente otimistas, dada a tendência de recuo da inflação e a melhoria do mercado de trabalho nos Estados Unidos e nas principais economias do mundo. Se o FED tiver encerrado seu ciclo de aumentos, como dizem analistas de mercado, devemos acompanhar uma redução gradual da taxa de juros já em 2024 – inclusive em países em desenvolvimento. Isso deve se refletir na indústria de venture capital, dando continuidade ao movimento de retomada ao longo do próximo ano – o que vale tanto para as startups como para os fundos, que devem encontrar um cenário de fundraising mais encorajador a partir de janeiro.
É fato que uma abordagem mais cautelosa e sustentável substituiu o cenário de “crescimento a qualquer custo” que tanto caracterizou o ecossistema em 2021. Nesse contexto, as oportunidades se alinham com a capacidade das empresas de se adaptarem às mudanças impostas pela macroeconomia, abraçando a inovação e mantendo uma visão de longo prazo – sem abrir mão de um ambiente de negócios dinâmico e desafiador.
Hoje, as startups estão surgindo com diligência maior de caixa, foco em unit economics sustentáveis e metas mais claras de breakeven, o que é bom para todo mundo. A indústria de venture capital evolui de fato quando a resiliência encontra oportunidade.