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*Tomás Neiva e Luca Codazzi de Mendonça são, respectivamente, sócio e associado da prática de venture capital do Mattos Filho

Como mencionado no artigo anterior, o Acordo de Acionistas é um documento de grande importância para regular a governança da startup e delimitar a relação entre seus fundadores e investidores na qualidade de acionistas.

Neste artigo, daremos continuidade à análise das principais cláusulas usualmente presentes em Acordos de Acionistas celebrados na indústria de venture capital.

Preferência na liquidação (liquidation preference)

De acordo com a cláusula de liquidation preference, o investidor tem prioridade no recebimento de valores provenientes de determinados eventos – tipicamente, a liquidação da startup ou algum evento de liquidez relevante, como a venda substancial dos seus ativos para terceiros – em relação aos demais acionistas (fundadores, por exemplo), tendo por base um determinado múltiplo do investimento realizado pelo investidor em questão.

O múltiplo mais comumente utilizado nesse tipo de cláusulas é de 1x o valor investido, muito embora, em momentos de menor liquidez no mercado de venture capital, como o atual, seja comum nos deparamos com investidores demandando múltiplos superiores em determinadas situações.

Um exemplo simples para ilustrar o mecanismo: imaginemos que, numa determinada rodada, um investidor tenha aportado R$ 5 milhões na startup, a título de integralização de ações preferenciais, e o Acordo de Acionistas preveja uma cláusula de preferência na liquidação de 1x. Ocorrendo um evento de liquidação ou liquidez relevante (por exemplo, em caso de venda de substancialmente todos os ativos da companhia a um terceiro), o valor de R$ 5 milhões (1x o valor investido) deverá ser prioritariamente destinado a referido investidor.

Significa dizer que, caso os recursos totais provenientes do evento em questão sejam iguais ou inferiores a R$ 5 milhões, todos os recursos serão destinados ao investidor e os demais acionistas não receberão nada. Se, pelo contrário, o evento gerar recursos superiores ao valor que o investidor faz jus em razão da cláusula de liquidation preference (no exemplo acima, R$ 5 milhões), o contrato deverá estabelecer os critérios para a distribuição dos valores excedentes entre os acionistas.

Existem, basicamente, três formas de regular essa distribuição de eventuais valores excedentes: (i) participação total (full participation); (ii) participação limitada (capped participation); e (iii) não-participação (no participation).

Na modalidade de participação total (full participation), o investidor participa no rateio dos valores excedentes de maneira proporcional à sua participação no capital social e em igualdade de condições com os demais acionistas (pro rata). No exemplo acima, o investidor receberia, além dos R$ 5 milhões, sua parte proporcional dos recursos excedentes, observada a sua participação no capital social da companhia.

Na modalidade de participação limitada (capped participation), o investidor participa no rateio dos valores excedentes de maneira pro rata à sua participação no capital social, da mesma forma que no full participation, com a diferença de que sua participação neste rateio estará limitada ao atingimento de um determinado valor (por exemplo, 2x o valor investido). No exemplo acima, o investidor receberia, além dos R$ 5 milhões, sua parte proporcional dos recursos excedentes, de maneira pro rata com os demais acionistas, mas sujeito a uma determinada limitação de valor (cap).

Já na modalidade de não-participação (no participation), o investidor não participa do rateio dos valores excedentes. No exemplo acima, o investidor receberia apenas os R$ 5 milhões, e os valores excedentes seriam distribuídos aos demais acionistas, sem a participação do investidor.

A modalidade de não-participação (no participation) é a mais comumente utilizada no mercado. Interessante notar que, sob essa modalidade, a cláusula de preferência na liquidação ganha especial relevância para o investidor nos casos em que os recursos provenientes do evento de liquidação ou liquidez sejam escassos (por exemplo, inferiores ao valor aportado pelo investidor). Nessa hipótese, o investidor exercerá sua preferência na liquidação para garantir o recebimento do múltiplo contratualmente acordado.

Na situação contrária, em que os recursos provenientes do evento de liquidação ou liquidez sejam relevantes (por exemplo, muito superiores ao valor aportado pelo investidor), o exercício da cláusula de preferência na liquidação tende a perder relevância, porque, dependendo do caso, pode ser economicamente mais vantajoso para o investidor optar por receber os recursos de maneira proporcional à sua participação no capital social do que exercer a preferência na liquidação (já que na modalidade no participation, como visto, o investidor recebe apenas o múltiplo acordado, não participando da distribuição dos valores excedentes).

Por fim, vale ressaltar que, na medida em que novas rodadas de captação de recursos são realizadas, o Acordo de Acionistas deverá regular a preferência na liquidação entre os investidores das distintas rodadas, isto é, se os novos investidores terão prioridade em relação aos investidores anteriores, ou se todos receberão os recursos proporcionalmente (pari passu). A lógica diz que, como “donos do cheque” da nova rodada, os novos investidores possuem poder de barganha suficiente para demandar prioridade em relação aos investidores das séries anteriores. O que se observa na prática, no entanto, é que muitas vezes os novos investidores aceitam ser pagos de maneira pari passu com os investidores das séries anteriores, como forma de manter uma relação harmoniosa entre os investidores e evitar criar precedentes que possam ser utilizados contra eles mesmos em rodadas subsequentes.

Anti-diluição

Como vimos em artigo anterior dessa série, a diluição é um processo natural e esperado ao longo do ciclo de vida de uma startup. Toda vez que uma nova rodada de investimentos (operação primária) é realizada, novas ações da companhia são emitidas e todos os acionistas existentes que não exercerem seus direitos de preferência na subscrição – isto é, não subscreverem novas ações na proporção de suas respectivas participações no capital social – serão diluídos.

Assim, a diluição, por si só, não deve ser vista como um problema. Muito pelo contrário, sua ausência pode ser um indicativo de que a startup está encontrando dificuldades para captar novos recursos no mercado. Afinal, em regra, é melhor ter a participação diluída numa companhia em crescimento, que manter a participação inalterada numa companhia que não esteja performando adequadamente.

Nesse contexto, as cláusulas anti-diluição não visam proteger o investidor de toda e qualquer diluição futura – o que seria um contrassenso – mas somente da diluição em hipóteses de down round, ou seja, rodadas de investimento em que a avaliação (valuation) da startup é inferior ao de rodadas precedentes.

Isso porque, nesses casos, o investidor da rodada anterior ao down round é duplamente impactado pela diluição: em primeiro lugar, pelo fato de novas ações estarem sendo emitidas (sem que o investidor exerça o seu direito de preferência na subscrição), o que, como visto, deve ser encarado com naturalidade na maioria das vezes; e, em segundo, pelo fato de o novo investidor (que subscreve ações no down round) estar pagando um preço por ação inferior, recebendo, para cada real aportado na companhia, mais ações que o investidor da rodada precedente.

É esse segundo efeito econômico que as cláusulas anti-diluição procuram, em maior ou menor medida, neutralizar. Há diferentes métodos para atingir esse objetivo, sendo os principais deles as cláusulas full ratchet (compensação total) e weighted average (média ponderada).

Na modalidade full ratchet (compensação total), a participação do investidor da rodada precedente é recalibrada com base no valuation do down round, mediante a entrega de novas ações ou ajuste da taxa de conversão de suas ações preferenciais em ordinárias. Dito de outra forma, a participação do investidor é reajustada como se ele houvesse originalmente pago o mesmo preço por ação do investidor do down round.

Já na modalidade weighted average (média ponderada), a participação do investidor da rodada precedente é recalibrada com base numa fórmula matemática que leva em consideração, dentre outros fatores, o tamanho e o preço da rodada que causou a diluição. Essa modalidade tende a gerar uma diluição mais equilibrada entre os fundadores e investidores, de forma que costuma ser o modelo mais adotado em transações de venture capital.

Obrigação de dedicação exclusiva

A obrigação de dedicação exclusiva tem por objetivo assegurar que os fundadores permaneçam totalmente comprometidos com o desenvolvimento do negócio da startup, sem dedicar tempo e atenção a outras atividades empresariais.

Vale lembrar que, especialmente nos estágios iniciais (early stage), a decisão do investidor de aportar recursos na startup se baseia, sobretudo, na capacidade de gestão e execução do time de fundadores, sendo natural esperar que, em contrapartida ao investimento, seja exigido que os fundadores se dediquem exclusivamente ao negócio.

Naturalmente, imprevistos acontecem, então é comum identificar no Acordo de Acionistas exceções a esta obrigação, tais como o afastamento involuntário dos fundadores por falecimento, doença grave ou incapacidade.

Por outro lado, o Acordo de Acionistas costuma estabelecer penalidades em caso de descumprimento voluntário dessa obrigação, sendo uma possibilidade a recompra, pela companhia ou pelo investidor, da participação do fundador inadimplente a valor de custo ou patrimonial – o chamado vesting reverso.

Normalmente, o percentual a ser adquirido nestas hipóteses vai sendo reduzido com a passagem do tempo, em função do prazo total da obrigação de dedicação exclusiva. Por exemplo, no caso de uma obrigação de 36 meses, um possível escalonamento seria o seguinte: aquisição de 75% das ações do fundador inadimplente, caso o afastamento voluntário ocorra nos primeiros 12 meses após o investimento; aquisição de 50% das ações do fundador inadimplente, caso o afastamento voluntário ocorra entre o 12º e o 24º mês após o investimento; e aquisição de 25% das ações do fundador inadimplente, caso o afastamento voluntário ocorra entre o 24º e o 36º mês após o investimento.

Não-Concorrência (non-compete) e Não-Aliciamento (non-solicitation)

O Acordo de Acionistas costuma prever, ainda, obrigações de não-concorrência (non-compete) e de não-aliciamento (non-solicitation). Em resumo, o objetivo de tais cláusulas é impedir que os fundadores concorram com a startup (non-compete) ou alicie seus colaboradores e/ou clientes (non-solicitation) durante o período em que permaneçam vinculados à companhia, bem como por um período adicional após sua desvinculação.

A lógica é similar à da obrigação de dedicação exclusiva. Se, na ótica do investidor, o principal fundamento para a realização do investimento é a capacidade de execução do time de fundadores, não faria qualquer sentido permitir que os fundadores desempenhassem atividades concorrentes com a startup ou aliciassem seus colaboradores ou clientes, ainda que durante um prazo razoável após a sua desvinculação da companhia.

Vale destacar que, em termos gerais, para que a cláusula de non-compete seja considerada válida e exequível, é necessário que estabeleça parâmetros claros que delimitem adequadamente a restrição imposta aos fundadores, sendo os principais deles a definição concreta das atividades restringidas (negócio da startup), do território aplicável e do prazo de aplicação da cláusula após a desvinculação do fundador da companhia (tipicamente 2 anos, mas podendo variar em cada caso).

Direito de informação

Outra cláusula comumente presente em Acordos de Acionistas é a de direito de informação, que assegura aos investidores o acesso a informações relacionadas ao desempenho financeiro e operacional da startup.

Considerando que, nos estágios iniciais, o controle da companhia permanece com os fundadores, o recebimento dessas informações é de fato importante para que os investidores possam monitorar a evolução do negócio e, consequentemente, o potencial retorno do investimento.

O conteúdo e a frequência em que tais informações são disponibilizadas aos investidores varia em cada caso, mas é comum que o Acordo de Acionistas contemple o envio mensal, trimestral e/ou semestral de demonstrações contábeis e financeiras, além de relatórios contendo as principais métricas e indicadores (KPIs) do negócio.

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