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*Francisco Coutinho, Luiz Fernando Leite, Felipe Rosolini e Isabella Mancusi, sócio e associados da prática de Remuneração de Executivos do Mattos Filho

Nos artigos anteriores, foram abordados temas de grande relevância para o mercado de venture capital, como as modalidades de contratos mais utilizadas em cada estágio de desenvolvimento das startups e suas cláusulas mais relevantes. Neste artigo, analisaremos outro tema de destaque: a forma de retenção e incentivo de key-people em startups.

O pacote de contribuição de colaboradores é geralmente composto de três elementos distintos, a saber: (i) remuneração fixa, por sua vez composta por salário (ou pró-labore, se estivermos diante de diretores estatutários) e benefícios; (ii) incentivos de curto prazo (ICPs), como bônus, prêmio e/ou Programa de Participação nos Resultados – PPR; e (iii) incentivos de longo prazo (ILPs), os quais costumam ser vinculados à valorização do valor da ação da sociedade no tempo.

Entretanto, no mundo das startups, comumente não é possível ter uma remuneração fixa e ICP na média de mercado, de modo que o principal componente e maior atrativo para contratação, retenção e incentivo de colaboradores chave costumam ser os Incentivos de Longo Prazo (ILPs).

É através do ILP que o colaborador chave tem a possibilidade de se beneficiar da valorização da empresa e de se tornar efetivamente “sócio” do negócio. O ILP traz, portanto, um alinhamento de interesses entre os founders e os colaboradores chave, ao mesmo tempo que permite a criação de um senso de dono.

É por essa razão que o ILP, independentemente da forma que assume (conforme será abordado a seguir), é um fator estratégico crucial para atração e retenção de profissionais qualificados e, consequentemente, para o próprio sucesso da startup.

Tipos de incentivo de longo prazo

Dentre os diferentes tipos de incentivo de longo prazo baseado em ações comumente vistos no mercado, destacamos os seguintes: (i) Stock Options; (ii) Partnership; (iii) Matching Shares; (iv) Ações Restritas; (v) Performance Shares; e (vi) Phantom Shares. Cada tipo de ILP mencionado acima possui características únicas que devem ser levadas em consideração no momento de sua escolha, incluindo seus impactos fiscais e trabalhistas em relação à empresa e aos participantes.

No caso das Stock Options, o participante adquire de forma onerosa ou recebe gratuitamente opções de compra de ações ou quotas, ou seja, o direito de adquirir participação societária da empresa em um momento futuro, por um preço pré-determinado. Para o efetivo exercício desse direito, o participante deve cumprir com determinadas condições, que podem ser relacionadas a tempo (vesting), atingimento de metas, ocorrência de um evento de liquidez, entre outras.

Na Partnership, a empresa oferece ao participante a oportunidade de se tornar sócio imediatamente, adquirindo uma participação direta ou indireta na empresa, a valor de mercado, podendo assumir uma dívida com pagamento a prazo, seja através de um pagamento a prazo ou de financiamento por outra entidade. Isto é, o participante realiza uma compra alavancada de participação societária, na premissa de que a participação societária adquirida irá valorizar em patamar superior à dívida contratada.

Matching Shares é um tipo de ILP em que há um investimento por parte do participante na aquisição de participação societária de emissão da Companhia na largada e, em contrapartida e após manter essa participação societária adquirida por determinado período, recebe uma quantidade adicional de ações ou quotas para cada participação societária adquirida anteriormente.

Já as Ações Restritas, chamadas de RSAs ou RSUs em inglês (“restricted share awards” e “restricted share units”) representam um tipo de ILP em que não há nenhum investimento ou contrapartida financeira por parte do participante. A empresa outorga ações de sua emissão de forma gratuita, de maneira antecipada ou após o cumprimento de determinado período de vínculo com a empresa (vesting).

As Performance Shares funcionam de maneira semelhante às Ações Restritas, na medida em que também não exigem um investimento pelo participante e são liquidadas em ações. No entanto, além do decurso do período de vesting, existe uma condição adicional de performance para que o participante faça jus ao recebimento das ações originalmente outorgadas.

Por fim, as Phantom Shares são instrumentos que visam capturar a mesma grandeza econômica prevista nos ILPs acima, mas com liquidação em dinheiro (e não em ações).

É importante ter em mente que a escolha do incentivo de longo prazo deve levar em consideração uma série de fatores, como forma de contratação dos colaboradores, modelo de negócio e, principalmente, o estágio de desenvolvimento da companhia. No presente artigo, exploraremos os tipos de ILP que geralmente se mostram mais adequados às startups em cada um dos seus estágios de desenvolvimento, levando em conta os principais desafios e objetivos.

ILPs nos diferentes estágios de uma startup

Como vimos nos artigos anteriores, o ciclo de vida das startups é comumente dividido nos quatro seguintes estágios, em que o investimento de capital nas empresas possui diferentes características: (i) período de ideação; (ii) early stage; (iii) growth stage; e (iv) late stage.

Cada um dos estágios do ciclo de vida de uma startup apresenta diferentes objetivos e desafios, que devem ser levados em consideração para a definição do modelo de ILP a ser adotado. No período de ideação, por exemplo, uma das principais dores é a formação de um time capacitado e engajado no negócio, composto por pessoas qualificadas e dispostas a investir tempo e dedicação na empresa, diante da escassez de recursos para oferecer um pacote de contraprestação condizente com o mercado. Neste sentido, os principais modelos de ILP comumente utilizados são as Stock Options e a Partnership, com maior preponderância para as Stock Options, por sua menor complexidade operacional.

No early stage, os objetivos permanecem praticamente os mesmos daqueles presentes no período de ideação, com a diferença de que agora as empresas não precisam apenas atrair profissionais, mas também retê-los em suas funções. Assim, as startups nessa fase possuem o desafio adicional de lidar com o turnover e takeover de colaboradores chave por concorrentes. Nesse contexto, as Stock Options e a Partnership costumam conferir um elemento importante de retenção, assumindo que o potencial upside para o colaborador seja suficientemente robusto vis-à-vis o valor de seus serviços no mercado. Soma-se a isso que a partir desse momento a liquidez aos participantes começa a ser uma pressão, pois ILPs ilíquidos e com horizontes muito longos tendem a perder valor como moeda de retenção.

Nas empresas em growth stage, o foco na captação de recursos deixa de ser o principal driver de crescimento, sendo substituído pelo objetivo de garantir performance e crescimento da companhia, na busca de um evento de liquidez. Igualmente importante como nas demais fases de desenvolvimento da empresa, a manutenção de um time engajado e “comprado” com o projeto da empresa é essencial. Assim, nessa fase, além das Stock Options e da Partnership, é possível ver a introdução de um novo modelo de ILP baseado em ação, na modalidade de Ações Restritas ou Performance Shares, na medida em que o ILP é estendido para um grupo maior de colaboradores.

No late stage, como regra, o time de key people já está bem definido e alinhado por subsequentes outorgas de ILP ao longo da trajetória de crescimento da empresa, de modo que há grande elemento de retenção e alinhamento de interesses entre founders e principais executivos. O desafio na retenção dos colaboradores de cargos estratégicos, mas de menor senioridade, se torna presente, de modo que é possível verificar a adoção do modelo de Ações Restritas, Performance Shares ou mesmo Matching Shares.

No entanto, é fundamental considerar que cada empresa possui metas e circunstâncias distintas e, portanto, a seleção do incentivo mais adequado requer uma análise criteriosa das variáveis envolvidas. Além disso, é importante lembrar que tomar decisões precipitadas ou estruturar incentivos que não estejam alinhados com a realidade da empresa pode resultar em consequências negativas, tanto do ponto de vista de alinhamento de expectativas com os beneficiários, quanto do ponto de vista legal e contábil.

Conforme demonstrado acima, as Stock Options acaba sendo o modelo de ILP mais utilizado em todas as fases de desenvolvimento da startup, de modo que é relevante ter uma breve visão sobre as principais discussões fiscais envolvendo o assunto, com repercussões para empresa e participantes.

Stock options

A previsão legal referente à outorga de stock options encontra-se no artigo 168, § 3º da Lei nº 6.404/76, que determina que uma companhia poderá, mediante aprovação de um plano em sede de assembleia geral, outorgar opções de compra de ações para administradores, empregados ou pessoas naturais que prestem serviços para a empresa ou suas controladas. Não há, entretanto, dispositivo legal que defina a natureza jurídica de tais opções de compra de ações e, consequentemente, seu enquadramento para fins tributários.

Por esse motivo, stock options são hoje objeto de grande controvérsia em matéria fiscal e previdenciária. A Receita Federal, de um lado, defende a natureza remuneratória dos planos de stock options e a consequente incidência de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) e Contribuições Previdenciárias (INSS) no momento do exercício das opções. O Fisco entende que o suposto ganho decorrente do exercício das opções, correspondente à diferença positiva entre o preço de exercício e o valor de mercado da ação na data do exercício, possui natureza remuneratória. Do outro lado, os contribuintes argumentam que o incentivo teria natureza mercantil, isto é, seria uma oportunidade de investimento, e como tal estaria sujeito apenas ao recolhimento do Imposto de Renda (IR) sobre eventual ganho de capital no posterior momento de venda das ações resultante do exercício das opções.

Esse entendimento está ligado à presença de elementos próprios de uma relação mercantil nos planos de stock options , quais sejam: (i) onerosidade, presente na medida em que os colaboradores investem seus próprios recursos para adquirir as ações da empresa; (ii) voluntariedade, visto que cabe ao participante decidir se deseja ou não aderir ao plano de stock options e, posteriormente, de exercer ou não suas opções; e (iii) risco, uma vez que as ações subjacentes às opções estão sujeitas à desvalorização.

Tendo em vista a falta de legislação sobre o tema e a posição da Receita Federal acima mencionada, é importante que a empresa e os participantes entendam o risco fiscal envolvido na utilização dos planos de stock options . Na hipótese de a Receita Federal fiscalizar o plano de stock option adotado pela empresa, há risco de lavratura de auto de infração (i) contra a empresa, por meio do qual a Receita Federal costuma (a) impor multa de 75% sobre o Imposto de Renda não retido do participante e (b) cobrar as contribuições previdenciárias não recolhidas, acrescidas de multa de 75% e juros de mora; e (ii) contra a pessoa física do participante, a cobrança do Imposto de Renda, acrescido de multa de 75% e juros de mora, com o potencial risco de arrolamento dos bens pessoais do participante a depender dos valores envolvidos.

Ao longo dos últimos anos, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) tem se manifestado no sentido de que planos de Stock Options possuem, em essência, natureza remuneratória. O Poder Judiciário, por sua vez, tem ido na contramão desse entendimento, com decisões favoráveis, de forma majoritária, ao reconhecimento da natureza mercantil. Assim, há situações em que pode fazer sentido que a empresa e os participantes ingressem em juízo preventivamente no momento do exercício das opções para defender a natureza mercantil do plano, evitando-se com isso a aplicação das penalidades acima mencionadas na hipótese de lavratura de auto de infração. Atualmente há processos sob análise do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas até o momento não há nenhuma decisão sobre o assunto neste tribunal superior.

Diante deste imbróglio jurídico, o Senado Federal aprovou recentemente o Projeto de Lei nº 2.724/2022, de autoria do senador Carlos Portinho, que prevê a criação do Marco Legal das Stock Options. O Projeto de Lei está atualmente tramitando na Câmara dos Deputados.

Marco Legal das Stock Options

O Marco Legal das Stock Options – PL nº 2724/2022 busca definir, entre outros aspectos, a natureza mercantil dos planos de stock option, trazendo maior segurança jurídica para o mercado como um todo.

O Projeto de Lei atribui o tratamento mercantil aos planos de stock options, desde que cumpridas as seguintes condições mínimas: (i) a existência de onerosidade no exercício das opões; e (ii) um vesting mínimo de 12 meses, isto é, prazo mínimo de 12 meses para o efetivo exercício das opções. Além disso, há ampla liberdade de definição do preço de exercício das opções pelas partes, não obstante ser fundamental que o requisito da onerosidade seja observado. É possível ainda condicionar o exercício ou outorga de opções a metas de desempenho individuais ou coletivas, sem que isso descaracterize a natureza mercantil do plano.

Caso o Marco Legal das Stock Options seja aprovado e se torne lei, este poderá impactar significativamente o mercado de venture capital, na medida em que trará maior segurança jurídica para a utilização de stock option em startups. Importante observar que o descumprimento desses requisitos mínimos acima colocados importará na desclassificação dos planos de stock option como mercantil, atraindo uma natureza remuneratória ao plano.

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