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Contratos de Vesting: o que você precisa saber antes de usá-lo na sua startup

Contratos de Vesting
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*Por Ana Moreira e André Ruiz

Conforme apontamentos feitos em nosso artigo Prevenindo disputas societárias em startups”, estruturas jurídicas adequadas e instrumentos contratuais bem redigidos e negociados são essenciais para prevenir que sociedades se tornem palco de litígios e disputas judiciais. No universo das startups, esta reflexão se torna ainda mais pertinente.

Ainda que a informalidade neste modelo de negócio seja uma característica marcante, é fundamental que as relações jurídicas existentes desde a concepção da sociedade (entre sócios, com empregados e prestadores de serviço, com investidores, dentre outras) sejam previamente reguladas e refletidas em um instrumento contratual que enderece adequadamente direitos e obrigações de cada parte. Contratos adequadamente negociados e redigidos são capazes de prevenir uma série de prejuízos futuros para o empreendimento. Pretendemos, portanto, esclarecer conceitos e apontar certos cuidados em uma modalidade de contrato comumente utilizada na praxe neste ecossistema: o “contrato de vesting”.

Apesar de não ser um contrato tipicamente regulado pela legislação brasileira, o contrato de vesting é um instrumento jurídico válido e de plena aplicabilidade no âmbito das sociedades empresárias, conforme vem sendo reconhecido pelos tribunais pátrios. De origem norte-americana, sua principal função é fomentar um alinhamento de interesses entre os sócios, administradores e demais colaboradores e reter talentos.

Engajar o time e reter bons profissionais é crucial para o desenvolvimento de qualquer empreendimento. Contudo, especialmente nas fases iniciais da consolidação das startups (early stage), em que a estratégia adotada costuma se basear na lógica da máxima minimização de custos, sem impactos ao desempenho geral, a remuneração direta (e competitiva) se torna um desafio. Neste cenário, o contrato de vesting é um forte aliado para estas empresas.

Indo direto ao ponto, o contrato de vesting é uma estratégia que possibilita aos sócios-fundadores apresentarem propostas atrativas para contratação e retenção de profissionais relevantes ao seu negócio, apesar da escassa fonte de recursos para fins remuneratórios. Por meio deste instrumento, é oferecido o direito futuro (e gradual) de aquisição de participação societária, condicionada a métricas de desempenho e tempo de performance, a depender da modalidade de vesting negociada. A partir desta vinculação, o que se espera é que todos se empenhem para otimizar a própria produtividade e, consequentemente, contribuam para o crescimento da empresa.

Apesar de muito semelhantes, cabe destacar que, o contrato de “stock options” e o “contrato de vesting” não se confundem. Apesar de ambos terem a mesma natureza e fomentarem o engajamento dos colaborados da empresa, o objeto e a forma contratual não são os mesmos. O primeiro, inclusive já abordado como tema por aqui (“Planos de Stock Option: atração, retenção e motivação de colaboradores estratégicos), é um instrumento originalmente previsto para sociedades anônimas, com requisitos específicos – como previsão estatutária e autorização no limite do capital social – com a finalidade de permitir aos executivos e/ou prestadores de serviço relevantes, uma participação na valorização futura da companhia, com regras pré-definidas para a sua implementação (estabelecidas em deliberação do conselho ou diretoria).

O vesting pode ser considerado como uma cláusula relacionada ao período de decurso do tempo necessário dentro do plano oferecido por meio de stock options. Por outro lado, quando aplicado em modelo contratual específico, o contrato de vesting trata especificamente do direito progressivo de aquisição sobre a participação de uma empresa, sendo a aquisição do direito gradual e ligada às condições do contrato (neste termo, o foco é muitas vezes, além da permanência do investidor ou colaborador, o cumprimento de métricas individuais). 

Quanto à relevância jurídica deste instrumento propriamente dito, cabe tecer algumas considerações acerca das opiniões dos tribunais. Em acórdão proferido pela 2ª Câmara de Direito Empresarial, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu que os acordos de vesting são válidos e que o direito de exercer a aquisição da participação societária deve seguir, estritamente, o que está previsto no termo.

No caso analisado, o empregado alegava ter o direito de adquirir 1,8% das quotas sociais, em razão do “contrato de opção com vesting”. Contudo, apesar do requisito de tempo cumprido, condições específicas para o exercício do direito (como a notificação prévia da sociedade e o pagamento do valor determinado acordado) não foram atendidas. Por essa razão, o Tribunal não reconheceu o direito à aquisição pelo empregado.

Sob outro aspecto, o Tribunal também foi chamado para lidar com este pacto, em uma ação movida por um ex-colaborador contra a startup. Neste caso, foi requerida a condenação da empresa ao pagamento de indenização do empregado, sob a alegação de que esse atuava como se sócio fosse (nos termos de contrato de vesting), apesar de não ter sido admitido no quadro societário e, indevidamente, “expulso” da empresa. Neste caso, o  período de aquisição de participação gradual era a cada 3 meses, de modo que, ao final de 36 meses o colaborador poderia adquirir o total de quotas vinculadas a este contrato, entrando, portanto, no contrato social.

Todavia, a Turma Julgadora verificou que os termos do vesting não tinham sido cumpridos (pela ausência de pagamento de valores pela aquisição e pela atuação do funcionário para outras empresas). Além disso, a sociedade de fato entre as partes tampouco foi evidenciada e os valores pleiteados não estavam lastreados em qualquer negociação ou em previsões de apuração de haveres. A Turma também pontuou que que o contrato de “opção de compra e venda de quotas” foi celebrando entre o empregado e os sócios (pessoas naturais), não havendo obrigação ou responsabilidade da ré (pessoa jurídica) neste caso. 

Feitas estas considerações, o que se tem observado é um respeito crescente dos tribunais à literalidade do que foi negociado e aos termos contratados entre as partes, especialmente no que toca à aferição do cumprimento das métricas acordadas para o direito a aquisição da participação societária. Esse posicionamento dos tribunais evidencia a relevância da elaboração de cláusulas bem definidas e da negociação prévia aos instrumentos contratuais, sempre que possível com a devida assistência jurídica.

Sobre as cláusulas típicas desse tipo de acordo, destaca-se a cláusula de “Cliff”, que é a principal modalidade acordada nos contratos de vesting. Por meio dela, estipula-se o período de carência para a aquisição do direito de “vestir” a participação societária, período este em que a sociedade avaliará se este investidor ou o profissional está alinhado com o propósito do negócio. Este período é entendido como uma “fase de teste” prévia ao elo que se pode firmar a partir de então. O prazo fixado para tanto pode variar, mas tende a ser de aproximadamente um ano.

Além desta modalidade, há a possibilidade da vinculação do vesting ao cumprimento de métricas de performance (milestones). Neste caso, o colaborador passa a adquirir o direito de exercício de compra conforme as metas cumpridas e pré-estabelecidas em contrato. Nada impede que as duas modalidades sejam conjugadas (prazo e meta), de modo que o beneficiário vá adquirindo seu direito conforme o decurso do tempo e com cumprimento das referidas métricas de desempenho.

A determinação das condições de saída para um “good leaver” ou um “bad leaver” também são de extrema relevância, já que preveem os efeitos da saída e do término antecipado do contrato, a depender da conduta do beneficiário. Inclusive, é importante que essa cláusula esteja alinhada com uma regulação eficiente da apuração de haveres dos sócios retirante, que, sempre que possível, defina mecanismos objetivos e o valor da participação societária, com ajustes e compensações para hipóteses de saída.

Definir as situações que levariam a retirada do beneficiário de seu direito de vesting como um “bad leaver” (com em um rol exemplificativo de condutas qualificadas como uma “justa causa”, por exemplo) e os efeitos vinculados a esta saída pode ser providencial para afastar discussões no judiciário quanto ao direito ou não destes profissionais de “vestir” pelo tempo em que o contrato esteve em vigor.

A título de exemplo: as condições e os efeitos premeditados podem mitigar, significativamente, os riscos da participação dos chamados “free-riders”, nomenclatura dada aos profissionais ou investidores que, tendo por “garantido” o direito à aquisição de participação com o passar do tempo, não se esforçam na medida esperada pelos sócios. Para esta situação, a categorização de atos de negligência do contrato perante os interesses da sociedade como “justa-causa” e a definição de métricas exatas a serem cumpridas para exercício do vesting, são formas viáveis para prevenir litígios.

Além disso, cláusulas atinentes às formas de liquidação ou à proteção anti-diluição sobre o percentual a ser adquirido pelo beneficiário também se mostram relevantes, a, assegurando o direito dos beneficiários da manutenção do seu direito de compra proporcional ao pactuado, independente de novas rodadas de investimento da startup.

Com efeito, é necessária cautela não apenas quanto a este contrato, em específico, mas a toda estrutura jurídica que sustenta o empreendimento. A definição prévia de regras nos documentos basilares na formação de uma startup, seja no contrato social (Ltda.) ou nos estatutos (S.A.), bem como nos acordos de quotistas ou de acionistas, é essencial, de modo a que, as demais contratações estejam sempre em harmonia com as respectivas disposições. É necessário que os termos “conversem” entre si, para que haja segurança jurídica e, consequentemente, previsibilidade sobre os direitos e obrigações dos sócios, investidores ou os colaboradores da startup. 

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