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A fabricante brasileira de bicicletas elétricas Vela Bikes encerrou suas operações e está em fase de preparação para o processo de falência. A expectativa é que sejam levados a leilão, entre fevereiro e março, ativos como marca, máquinas, projeto, peças, estoque e a participação na Vela EUA – que continua a operar normalmente com seu quadro de sócios distinto da Vela no Brasil. Também fará parte do pacote o projeto de fabricação das bicicletas na Zona Franca de Manaus que seria colocado em prática nos primeiros meses de 2024.

Como parte do processo de encerramento das atividades , o site já não aceita novos pedidos de compras e a Vela demitiu, há duas semanas, cerca de 80% de seu quadro. Ficaram pouco mais de 20 pessoas da área administrativa que vão cuidar do atendimento a clientes e das oficinas parceiras e dos procedimentos do processo de falência. De acordo com Victor Cruz, CEO e fundador da marca, a maior parte das obrigações já foi quitada. Enquanto se prepara para a falência, a Vela também tenta vender o maior número possível de itens para levantar recursos com valores melhores dos que virão no leilão – que costuma jogar os preços muito para baixo.

Nascida em 2012, a Vela colocou nas ruas cerca de 4 mil bicicletas. Em 2021 ela tinha feito uma captação pela plataforma Kria na qual levantou quase R$ 1,8 milhão com 195 investidores. Além dos modelos desenvolvidos e fabricados por ela na cidade de São Paulo, a companhia tem um aplicativo que funciona como um cadeado eletrônico para travar o equipamento, assim como indicadores de consumo da bateria e distância percorrida.

Com o fim das operações, quem tem uma bicicleta da marca poderá ser atendido pela rede de bicicletarias parceiras que ela criou em todo o Brasil. Ela também vai disponibilizar o contato dos mecânicos mais experientes que trabalharam na companhia que eles possam ajudar os proprietários de forma autônoma. De acordo com Victor, está nos planos dividir com a rede a cadeia de fornecedores (mais de 80 companhias nacionais e estrangeiras) para que elas possam continuar a dar suporte às bicicletas em relação ao fornecimento de peças.

Victor Cruz, fundador e CEO da Vela, com o primeiro protótipo da bicicleta, em 2013. (Foto: Arquivo pessoal)

Motivos para o fim da Vela

A decisão de encerrar as operações da Vela foi tomada em dezembro depois que a Justiça decidiu que a companhia deveria devolver o dinheiro de alguns de seus investidores iniciais, que colocaram recursos em rodas privadas feitas entre 2016 e 2018 – antes da captação pública pelo Kria. No processo de cobrança, movido no fim de 2021, esses investidores pediam a execução de uma cláusula do contrato de mútuo conversível assinado 5 anos antes que previa que eles poderiam pedir seus recursos de volta caso o endividamento da marca chegasse a R$ 100 mil.

Victor conta que, na época, a Vela vinha de dois anos difíceis como reflexo da pandemia, o que afetou sua saúde financeira. No que ele classifica como uma falta de alinhamento dos investidores com o estágio do negócio, o relacionamento azedou. “Eles eram as pessoas mais próximas por serem os primeiros investidores. Mas, de repente, o contatos passaram a acontecer apenas por meio de advogados”, relembra.

Ele diz que ficou surpreso com a decisão de acionar a cláusula de cobrança porque, apenas um deles teria investido mais de R$ 200 mil na empresa. Como no mútuo conversível os recursos que um investidor coloca são classificados na contabilidade como dívida, só esse montante já seria suficiente para disparar a cláusula que deu origem ao processo. “Era uma brecha no contrato que nunca tinha sido usada. Eu só fui perceber que ela estava lá depois de 4 anos [de assinatura do contrato]. Mas com o negócio crescendo, deixei pra lá”, pontua Victor. Segundo ele, o acionamento da proteção aconteceu pouco dias antes do vencimento do contrato de mútuo, oportunidade na qual poderiam ter sido discutidos outros caminhos para a sociedade. “Numa situação dessas as cláusulas de proteção deixam o empreendedor sozinho. Investi 10 anos na empresa. Nunca recebi salário para apostar no crescimento e não tirar recursos”, ressente-se.

Sem apoio

Entre 2022 e 2023 a Vela reencontrou o caminho do crescimento, avançado 50% e 40% em vendas, respectivamente. Mas com a cobrança dos investidores iniciais, a companhia perdeu também apoio de investidores mais recentes para colocar em prática o plano de mudar a fabricação para Manaus, o que, segundo Victor, a ajudaria a manter o ritmo de expansão na faixa de 40% a 50% e reduzir custos – principalmente na linha de pagamento de impostos.

Victor diz ter passado o mês de dezembro todo tentando falar com os investidores para reverter a situação e manter os planos. Umas das opções era fazer um processo de Recuperação Judicial, mas não houve apoio por conta dos altos custos envolvidos e do receio de, após um ano, 18 meses de trabalho, não se chegar a lugar nenhum. “Por isso pulamos direto para a falência”, diz.

O fundador diz ainda ter a esperança de que alguém mantenha o sonho da Vela vivo ao arrematar os ativos remanescentes da companhia no leilão que deve acontecer nas próximas semanas. Apesar de sua malfadada experiência, ele continua acreditando no potencial do mercado de bicicletas elétricas. Segundo cálculos da Aliança Bike, desde 2016 as vendas cresceram a uma média de 20% a 30% ao ano até 2022, quando esfriou um pouco. Naquele ano, o mercado de e-bikes alcançou 44.833 unidades, aumento de apenas 9,6% em comparação a 2021. O preço médio das bicicletas elétricas no Brasil está na casa R$ 6.800,00 – um valor bem salgado na comparação com o salário mínimo, que hoje está em R$ 1,4 mil.

Perguntado se pretende empreender novamente, Victor afirma que essa é a última coisa na qual ele pensa no momento. “Não sei o que eu vou fazer. Mas empreender está no fim da lista”, lamenta. Na pessoa física, ele ainda terá que honrar com um financiamento contraído pela Vela no qual o apartamento onde vive foi colocado como garantia.

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