Nos últimos meses, o sentimento generalizado das startups tem sido de apreensão e cautela. Com a economia cheia de incertezas, a aversão ao risco aumentou e os investidores estão mais seletivos na hora de assinar um cheque. A própria Y Combinator, uma das principais aceleradoras do mundo, avisou os empreendedores que eles deveriam se prepararem para o pior e enxugou em 40% o número de empresas selecionadas em seu programa.
Mas antes dos cheques milionários, dos valuations exagerados e do dinheiro farto, crescer sem investimento já era a realidade para muitos empreendedores. Até porque a febre das startups no Brasil só começou a partir de 2015, e antes disso as empresas já precisavam encontrar formas de crescer com os próprios pés. O momento atual é, de certa forma, uma volta às origens de quando havia pouco capital disponível no mercado.
No contexto das startups, esse processo é conhecido como bootstrapping, que significa começar um negócio com recursos limitados (e normalmente próprios), sem o apoio de investidores. “Pode parecer arriscado demais começar uma startup apenas com recursos próprios, mas isso não significa que é impossível”, diz a Abstartups (Associação Brasileira de Startups) em um post no blog da companhia. Inclusive, contamos várias histórias de sucesso do tipo em nossa série quinzenal Além da Faria Lima.
Alguns desafios valem a pena serem mencionados. É claro que todo negócio envolve planejamento financeiro, mas no bootstrapping é preciso muita organização para investir no negócio e ao mesmo tempo equilibrar as contas pessoais. A Abstartups ressalta que os empréstimos bancários são uma opção para começar empresas em estágio inical, mas que os fundadores devem ter muito cuidado por causa das taxas de juros.
Outra questão é que nem todo empreendedor tem condição financeira para isso. Para alguns, a alternativa é buscar uma captação via Family, Friends and Fools, quando amigos, colegas e familiares se unem para investir na empresa de estágio inicial. No entanto, a estratégia também parte do princípio de que os fundadores de startups tenham conhecidos com dinheiro sobrando para investir no negócio – o que não é realidade para a maioria dos brasileiros.
Apesar das limitações, os empreendedores que conseguem crescer no bootstrapping têm como vantagens o maior controle sobre os negócios e possibilidade de construir a própria cultura e os valores da empresa. Além disso, é possível usar o próprio faturamento para manter a startup – o que, segundo a Abstartups, é “a melhor maneira de manter os negócios no verde e evitar dívidas resultantes de juros e financiamentos”.
O Startups selecionou 5 startups que cresceram com investimentos próprios. Veja, a seguir, quem são elas:
UAUBox
Fundada em 2018, a beautytech UAUBox tem o objetivo de conectar marcas, consumidores e criadores de conteúdo. A startup opera com um modelo de boxes por assinatura, enviando caixinhas com produtos de beleza para os clientes. Os itens são selecionados por um machine learning que monta caixas personalizadas de acordo com o perfil de cada assinante.
Com sede em Jundiaí, interior de São Paulo, a startup iniciou sua operação na garagem de casa do presidente Guilherme Brunhole – um espaço de 12 metros quadrados. Crescendo 100% no bootstrap, a UAUBox tem um faturamento na casa dos R$ 25 milhões e já entregou mais de 4 milhões de produtos e 600 mil boxes personalizados desde o seu lançamento.
Além das caixas personalizadas, a startup criou a UAUTeam, uma plataforma de content creators que visa ampliar a atuação da beautytech no ambiente digital. Os influenciadores têm acesso a conteúdos e vídeo aulas para sua formação, podem acompanhar suas métricas de novos assinantes, satisfação e engajamento e receber comissão pelas assinaturas que trouxer.
3C Plus
Diogo Hartmann e Ney Pereira criaram uma plataforma 100% em nuvem com foco na otimização e eficiência de call centers. A 3C Plus oferece recursos como discador automático, painel de controle e métricas para operações de televendas, SAC e cobrança. A startup foi fundada em 2014 em Guarapuava, interior do Paraná, e afirma ter crescido 255% em receita no último ano, chegando a um faturamento de R$ 4,5 milhões.
Com a ambição de virar um unicórnio até 2025, os fundadores apostam no modelo T2D2 (Triple, Triple, Double, Double) para ter um crescimento exponencial. “Após alcançar o primeiro milhão de renda mensal recorrente, o objetivo agora é triplicar essa renda e chegar aos R$ 3 milhões até dezembro de 2022. No próximo ano alcançar os R$ 9 milhões e na sequência R$ 18 milhões e R $32 milhões, em 2024 e 2025, respectivamente”, disse Ney em uma recente entrevista ao Startups.
A companhia está focada em ampliar o time. Em 2021 eram apenas 10 colaboradores e a previsão é chegar a 100 até o fim de 2022. Fortalecer o fluxo de vendas e a relação com o cliente também estão entre os objetivos para os próximos meses. A principal fonte de renda da 3C Plus é a venda das licenças do software para pequenas e médias empresas.
SenseData
A SenseData é uma plataforma de sucesso do cliente e dados acionáveis que faz a gestão de mais de 200 empresas, com cerca de 5 mil usuários ativos no total, incluindo clientes como Ambev, UnileverFood Solutions, Mercado Livre, Gupy e Reclame Aqui. A startup conta com mais de 100 colaboradores e afirma ter crescido 92% em faturamento no último ano.
Cofundada por Mateus Pestana, Paulo Souza, Renan Zanelatto, Alexandre Costa e Guilherme Pellegrino, a plataforma utiliza técnicas de análise de grandes volumes de dados. O objetivo é gerar insights para as empresas e permitir que elas priorizem determinadas ações, além de avaliar a saúde de clientes, segmentos e portfólio.
A empresa foi fundada em 2016 e cresceu no bootstrap. Seu primeiro investimento veio só em forma de aquisição, quando foi comprada pela Zenvia no ano passado. A SenseData foi a primeira aquisição da empresa de tecnologia desde seu IPO na Nasdaq. Juntas, elas somam mais de R$ 600 milhões em receita anual, 14 mil clientes e 1.000 colaboradores.
ViaNuvem
Lançada em 2017, a ViaNuvem chamou a atenção de clientes e do ecossistema sem precisar de nenhuma rodada institucional. A plataforma oferece ferramentas para a venda de carros online e auxiliou 2,5 mil concessionárias no país durante a pandemia, somando R$ 20 bilhões em transações mensais. O crescimento foi impulsionado por investimento próprio dos sócios Fredy Evangelista e Heitor Orletti e financiamento bancário.
A empresa ganhou 800 novos clientes só em 2020 e, no ano seguinte, foi adquirida pela unico, startup especializada em soluções de identidade digital. Essa foi a primeira compra da unico após receber um aporte de R$ 580 milhões do SoftBank e General Atlantic, em 2020. A incorporação total da ViaNuvem resultou na criação da marca UnicoAuto, que permite digitalizar o processo de venda de carros novos por concessionárias.
Tuim
Fundada em 2019, a Tuim é uma plataforma de móveis residenciais por assinatura criada para ser a “Netflix dos móveis”. A startup paulistana nasceu como um spin-off empresa John Richard, especializada em soluções de mobiliário corporativo e residencial, e hoje reúne mais de 10 mil itens entre mobílias e artigos decorativos.
Em 2020, a Tuim fechou uma parceria com a Housi, startup de moradia por assinatura, para oferecer infraestrutura profissional de home office aos moradores. A Tuim também tem parcerias com a Loft, oferecendo kits de móveis desenvolvidos por profissionais com exclusividade para cada apartamento, e com o QuintoAndar, em que os clientes da empresa têm benefícios para assinar os móveis.
Outros parceiros são a Vila11; que desenvolve, administra e opera residências para locação; Zap Home, de automação residencial; e Luggo, especializada em alugel de apartamentos. Em 2020, a startup cresceu mais de 600% em receita.