A Brasil Startups, associação de startups e empreendedores digitais sem fins lucrativos, acaba de lançar seu fundo patrimonial para apoiar ações de responsabilidade social e empreendedorismo inovador. O veículo prevê captar R$ 20 milhões ainda este ano de pessoas físicas e jurídicas com investimentos entre R$ 100 e R$ 5 milhões.
Embora sejam uma modalidade de investimento ainda pouco utilizada no Brasil, os fundos patrimoniais já ganharam força na Europa e nos Estados Unidos, onde são chamados de endowment funds. Fundações como Ford e Bill & Melinda Gates, além das universidades de Harvard, Yale, Princeton, Cambridge, Oxford e Stanford, adotaram a ferramenta como estratégia de captação para projetos filantrópicos.
Por aqui, a modalidade começou a ser estruturada em 2019, com a Lei 13.800. O documento regulamenta a criação dos fundos patrimoniais para iniciativas sem fins lucrativos que apoiem causas de interesse público como educação, saúde, ciência, cultura e meio ambiente. Dois anos depois, os fundos patrimoniais foram contemplados no Marco Legal das Startups, autorizando o uso dos recursos captados para pesquisa e inovação.
Embora recentes, os fundos patrimoniais começaram atrair instituições de diversos setores no Brasil. A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) criou o LUMINA para financiar pesquisas e projetos de apoio à inovação e empreendedorismo, e a Universidade de São Paulo (USP) tem um veículo para investir no desenvolvimento educacional e intelectual da comunidade.
Em abril, o Hospital Sírio Libanês lançou um fundo patrimonial com o objetivo de arrecadar R$ 100 milhões até 2027 e apoiar ações de educação em saúde, ciência em pesquisa; sustentabilidade ambiental; assistência social e assistência médico-hospitalar.
Quem se beneficia
O objetivo do Brasil Startups é apoiar projetos e organizações que promovam a educação e o empreendedorismo do futuro. “Um dos nossos interesses é qualificar jovens em cursos técnicos para aumentar a empregabilidade no ecossistema e suprir as necessidades do mercado”, afirma o presidente da entidade, Hugo Giallanza.
Segundo o executivo, o fomento dessas iniciativas beneficiará a economia como um todo, incluindo as startups. “Se quem inova não pensar em fomentar a educação, vai chegar um momento em que o setor não vai ter mão de obra qualificada. Precisamos começar a formar esses profissionais agora para mitigar esse problema”, pontua.
A Brasil Startups também vai olhar para iniciativas que promovam o empreendedorismo digital e inspirem jovens a se inserirem no ecossistema. A proposta é começar com projetos no Distrito Federal, onde a entidade está localizada, e aos poucos expandir para outras regiões do país.
Internamente, a instituição já tem algumas iniciativas próprias. Entre elas, o projeto Retina, que prepara jovens com cursos e eventos ligados a sustentabilidade, inovação e empreendedorismo. O Projeto Retina impactou mais de 2 mil estudantes até maio de 2022 somente na Escola Técnica de Ceilândia/DF. Já o Innovatour Young conecta empreendedores e tecnologias audiovisuais às comunidades periféricas do DF. O projeto promove visitas técnicas em startups, apresentações, palestras e mentorias. A ação atendeu cerca de mil jovens da região.
Por ser um fundo altruísta, sem equity ou retornos financeiros, a entidade traçou algumas estratégias para atrair e beneficiar investidores. O objetivo será apoiar ações que contribuam localmente com os programas globais da Organização das Nações Unidas (ONU) para promover os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030. Assim, empresas e indivíduos que investirem no fundo estarão cumprindo os protocolos de ESG (sustentabilidade, responsabilidade social e governança).
“A gente consegue comprovar que a doação ajudou em capacitações, mentorias e projetos sociais, e as empresas aumentam seus pontos em ESG”, explica Hugo. Isso melhora sua reputação pública e potencializa estratégias de marketing, além de mitigar os impactos causados pelas atividades da companhia e promover a conexão do negócio com diferentes comunidades.
Segundo Hugo, o veículo já começou a atrair alguns investidores. A expectativa é até o fim do ano lançar uma chamada pública para os projetos e as organizações que quiserem se candidatar para receber os recursos.
Os desafios dos endowment funds no Brasil
“Investimentos [em fundos patrimoniais] existem há anos na Europa e nos Estados Unidos, mas são muito recentes no Brasil. Por isso, ainda existe um nível de conservadorismo dos atores que legislam sobre essa inovação, mas algumas iniciativas devem surgir em breve para tornar o fundo mais atrativo”, afirma Hugo.
O executivo cita a questão tributária para ilustrar seu argumento. Em outubro, a Receita Federal fez um posicionamento na contramão do que acontece no exterior. O órgão argumenta que os fundos patrimoniais deverão recolher tributos, ainda que destinem os rendimentos para instituições públicas ou filantrópicas.
“A gente espera que quando alguém doe para um fundo, tenha isenção dos impostos. Isso já acontece em outras partes do mundo, e é questão de tempo para chegar no Brasil”, pontua Hugo.
Ele acrescenta que os endowment funds têm o potencial de fazer aportes em startups – mas sem dar participação societária (e lucro) para os investidores. No caso da Brasil Startups, o objetivo é que no futuro os recursos captados também sejam usados para fomentar startups com investimento seed, além dos projetos de educação e empreendedorismo do futuro.