O ecossistema de startups vive um momento turbulento frente ao aumento dos impostos e da inflação, além de conflitos internacionais como a Guerra na Ucrânia. No Brasil, o setor enfrenta também as incertezas políticas em relação às eleições presenciais e, com elas, os rumos da economia e do trabalho. Somados a isso, o país passa pela aceleração tecnológica acentuada com que soluções automatizadas cada vez mais velozes e onipresentes.
Não é novidade que investir em startups é um ótimo negócio para promover o desenvolvimento econômico e social. Um estudo realizado pela consultoria britânica Grant Thornton, em parceria com a Associação Anjos do Brasil, mostra que cada R$ 1,00 aplicado em investimento anjo, R$ 5,84 são gerados na economia e R$ 2,21, em forma de tributação. Por isso, países em todo o mundo começaram a desenvolver políticas públicas de incentivo, estímulo e apoio ao desenvolvimento do ecossistema de startups.
Segundo a Dínamo, movimento de articulação na área de políticas públicas focada no tema ecossistema de startups, é aí que mora o desafio e, ao mesmo tempo, a grande oportunidade para o Brasil. Tudo depende da forma como nos posicionamos em relação às nossas prioridades, investimentos e políticas estruturantes ligadas ao setor, com o potencial de gerar soluções tecnológicas que promovam novos empregos e geração de renda para a sociedade.
Para isso, é fundamental ter clareza das nossas prioridades quanto nação e fazer os investimentos necessários para criar condições reais de desenvolvimento de uma cultura de negócios digitais. “O ecossistema de startups e empreendedorismo inovador brasileiro evoluiu muito nos últimos anos, mas ainda enfrenta desafios bastante relevantes para atingir todo seu potencial de desenvolvimento”, afirma a Dínamo em uma carta aberta aos candidatos às eleições de 2022.
O documento, assinado pelo diretor presidente, Rodrigo “Kiko” Afonso, e o diretor vice-presidente da companhia, Felipe Matos, visa apresentar as necessidades e anseios das startups aos candidatos, para que eles participem do debate e se comprometam com a implementação das propostas apresentadas. O texto destaca pontos como a falta de um ambiente regulatório, fiscal e burocrático adequado, a ausência de profissionais qualificados no setor e investimentos mal distribuídos.
Com o apoio de seu grupo de especialistas, a Dínamo reuniu um conjunto de iniciativas e políticas públicas estruturantes consideradas fundamentais para o desenvolvimento do ecossistema de inovação, empreendedorismo e startups em face aos desafios e oportunidades do momento atual. O Startups teve acesso à carta e separou os pontos indicados pela organização. Veja:
1. Talento
A formação de talentos preparados para pensar e atuar em inovação é essencial para o crescimento das startups – e, portanto, um dos desafios com os quais os candidatos às eleições de 2022 precisarão lidar. Como ações para fomentar a geração de talentos no país, os especialistas sugerem que o Ministério da Educação e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior apliquem incentivos para que o setor público e privado criem e fomentem cursos superiores de STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática).
“É preciso facilitar a burocracia e modificar os critérios para criação e aprovação dos cursos técnicos, de graduação e pós-graduação, além de criar incentivos fiscais ao setor privado”, considera a Dínamo. Os especialistas acrescentam que é preciso um letramento em programação básica para todos os jovens, assim como o desenvolvimento da língua inglesa e de habilidades soft skills como resolução de problemas, trabalho em equipe, comunicação, adaptabilidadee criatividade.
Apesar de avanços na introdução de disciplinas ligadas ao empreendedorismo no currículo do Ensino Superior, é necessário integrar essas disciplinas às demais, já que o empreendedorismo é transversal à formação profissional e possui conexões com diversas outras áreas e saberes. Como o empreendedorismo se aprende por vivências, universidades públicas e privadas precisam implementar metodologias de aprendizagem que favoreçam a experiência, com projetos que solucionem demandas reais do mercado.
Por fim, a companhia cita o Startup Visa, uma solução aplicada em diversos países do mundo para suprir a falta de mão de obra qualificada em STEM. Ele funciona como um visto de trabalho para talentos nas áreas estratégicas de empresas de tecnologia “A Dínamo acredita que esta seria uma alternativa ao menos temporária para o Brasil, pois permitiria mais tempo para que o país invista na formação sólida de talentos locais dentro de casa e possa suprir as demandas em médio e longo prazo”, pontua.
2. Investimento
Segundo a Dínamo, o venture capital precisa de um ambiente regulatório que incentive as pessoas que desejam correr riscos e investir em um negócio inovador. O raciocínio já ocorre em outros segmentos da economia, como quando alguém investe em carteiras imobiliárias e paga imposto apenas sobre o saldo final de todos os ganhos e perdas, e não sobre cada empreendimento individualmente. Ou decide colocar dinheiro em títulos da dívida pública e quanto mais tempo aplicar, mais vai receber incentivos na forma de desconto progressivo sobre o imposto de renda.
“Enquanto isso, o setor que gera a maioria dos novos empregos, impostos e contribui para o desenvolvimento tecnológico e econômico do país, como é o caso das startups, sofre com um modelo que afasta investidores, essenciais para seu desenvolvimento”, pontua a Dínamo. Os especialistas ressaltam a importância de discutir taxação de investimentos de risco e riscos legais para que investidores sintam-se encorajados a ampliar investimentos no Brasil e para que as startups nacionais não levem seus CNPJs para fora do país.
Nesse contexto, algumas pautas são fundamentais. Entre elas, o apoio ao investimento-anjo, oferecendo maior proteção e incentivo tributário e fiscal para este tipo de investimento. Além disso, é necessário estimular a ampliação do equity crowdfunding, que apesar das recentes revisões regulatórias que ampliaram limites de investimentos ainda carece de maior liquidez na saída dos investidores. A proposta é que os investidores possam vender suas participações para vários outros investidores, não somente os que participaram da mesma captação ou da mesma plataforma investimento coletivo.
“É preciso ampliar o volume de investimento máximo que pode ser feito por investidor não qualificado anualmente”, pontua a Dínamo, em relação aos incentivos à pessoa física. Hoje, o limite é de R$ 20 mil reais ou 10% da renda anual. Segundo os especialistas, esse limite não gera atratividade em investidores individuais com maior capacidade de investimento. A sugestão é que além da renda fosse considerado o patrimônio e o limite de 10% fosse aplicado sobre o maior valor, para que a quantia total permitida para investimento fosse ampliado de forma significativa.
Os especialistas consideram essencial criar incentivos para descentralizar os investimentos no país, tendo em vista que hoje poucas empresas captam grande parte do capital disponível. Eles defendem também que é necessário o incentivo tributário adicional e a redução de burocracia para os investimentos alocados em negócios fora dos grandes centros econômicos e fora do eixo Sudeste-Sul; que estejam em diferentes fases do desenvolvimento e diferentes setores; e sejam liderados por mulheres, pessoas negras e outros grupos sub-representados.
3. Diversidade
A diversidade e inclusão deve estar no centro das pautas de inovação no ecossistema brasileiro, com políticas que incentivem a entrada pessoas sub-representadas no setor. Isso não só quando falamos em mão de obra, mas também como criadores de soluções, tomadores de decisões, empregadores e em qualquer papel existente no ecossistema.
Em 2021, a Dínamo lançou o Mapeamento sobre Políticas Públicas em Startups e Diversidade com foco em informar as iniciativas e políticas públicas inspiradoras no Brasil e no mundo. Os estudos avaliam a realidade do país e mostram como estão as iniciativas públicas que visam promover um ecossistema de empreendedorismo e inovação mais diverso. A companhia também criou um Grupo de Trabalho multidisciplinar para analisar o contexto de desigualdade no setor e pensar políticas públicas e ações afirmativas que contribuam para a maior representatividade, diversidade e inclusão.
Segundo os especialistas, os mecanismos de apoio e fomento ao ecossistema de startups devem contemplar a questão do aumento da diversidade em todas implementações. Essas ações podem se somar aos incentivos para as startups, oferecendo melhores oportunidades para populações e regiões mais vulnerabilizadas.
4. Ambiente regulatório
Pelo seu alto risco, o ambiente de startups exige um processo mais ágil e flexível nas questões tributária, trabalhista e legal. As discussões sobre a temática junto ao governo procuram propor medidas e discutir leis que tornem o ambiente de negócios mais preparado para as empresas inovadoras no país.
As proposta são variadas: Sociedade Anônima simplificada e optante pelo regime tributário Simples Nacional, Stock options regulamentadas como operações mercantis e contratos temporários adaptados para a realidade das startups garantindo os direitos do trabalhador. Além disso, os especialistas citam a modernização trabalhista atualizando conceitos e modelos de relações de trabalho para se adequar às mudanças decorrentes da inovação tecnológica; e criação do Mínimo Integral, em que se calcula o que seria necessário para se viver em uma família com qualidade de vida e dignidade.
“Diversos países do mundo adotam critérios diferenciados de contratos de trabalho, mas é importante também compreender que o Brasil é um país extremamente desigual e não se pode comparar o mercado de trabalho daqui com os padrões Europeus ou Norte-Americanos, por exemplo. Precisamos aprender com os modelos internacionais, mas pensar a sua adaptação para a realidade brasileira”, pontua a companhia.
5. Cultura
Para os especialistas, ecossistemas de sucesso são aqueles que conseguem criar a cultura empreendedora e inovadora entre os diversos atores do meio – universidades, corporações e governos – para que empreendedores tirem suas idéias do papel e criem soluções disruptivas que resolvam demandas e gerem riqueza para a sociedade. Como pautas essenciais, a Dínamo cita o empreendedorismo no Ensino Básico, Médio e Superior, além de experiências práticas, vivências em comunidades, hubs e cultura de experimentação.
“É muito importante que os casos de sucesso sejam identificados, premiados e tornem-se amplamente conhecidos da comunidade e da sociedade como um todo”, afirma a empresa. Isso porque o reconhecimento de histórias que deram certo ensina boas práticas de negócios, motiva pessoas que desejam empreender, mostra que é possível atravessar os desafios e gera identificação entre os startupeiros.
Além disso, é necessário apoiar e promover eventos de tecnologia e inovação que geram valor para a comunidade de empreendedores. Quando o evento tem um objetivo claro, organização estruturada, conexão com as demandas da comunidade e é realizado regularmente, ele se torna peça chave para o desenvolvimento da cultura empreendedora. Os encontros permitem que participantes respirem as mesmas ideias, debatam questões, estabeleçam uma linguagem comum e desenvolvam soluções a partir deste encontro humano.
6. Densidade
A aproximação e conexão entre empreendedores ajuda a gerar novas ideias, negócios e soluções. Por isso, apoiar políticas públicas de criação de zonas de inovação para startups, focando em aproximar agentes do ecossistema é visto como essencial para apoiar o crescimento do país.
Entre os temas centrais, a Dínamo destaca incentivos à formação de hubs e polos de inovação fora da região Sul e Sudeste e em regiões antes degradadas, a partir da revitalização e incentivo fiscal, como é o caso do Porto Digital, parque tecnológico fundado em Pernambuco nos anos 2000. Além disso, os especialistas consideram fundamental o incentivo à criação de hubs temáticos conforme diagnóstico de vocação econômica local e ecossistemas de inovação corporativos como Cubo (Itaú), Inovabra (Bradesco) e Oxigênio (Porto).