A Intera, HRTech baiana especializada no recrutamento de talentos de tecnologia, recebeu um cheque de R$ 9,85 milhões da empresa de capital de risco Citrino Ventures, por meio do fundo CV Idexo, e investidores-anjo. O aporte chega quase 2 anos depois da última captação, quando a companhia levantou um pré-seed de R$ 2,5 milhões de investidores-anjo.
A história da Intera começa um pouco antes da sua fundação em 2018. A companhia surgiu como Weber School, uma escola de tecnologia em Salvador voltada para a capacitação de profissionais do setor. “A verdade é que o modelo de negócio não parava em pé”, revela a fundadora Paula Morais. “Desenvolvimento de software é uma oportunidade de carreira para um nicho privilegiado muito pequeno. A maior parte da população brasileira não tem acesso, e a gente tinha que dar muitas bolsas para fechar as turmas”, diz a empreendedora.
Ela acrescenta que esse ainda é um desafio para muitas escolas de tecnologia, que acabam adotando um modelo de financiamento estudantil ou o famoso “pague o curso só depois que estiver empregado” “Naquela época a gente não tinha muito essa visibilidade para sustentar o modelo de negócio, que depende muito de venture capital. Sempre fomos uma empresa bootstrapping, crescendo com o dinheiro do cliente”, explica Paula.
Com pouco mais de um ano de operação, a Weber pivotou para um modelo B2B. A proposta era oferecer programas educacionais financiados pelas empresas que buscavam talentos qualificados. Em janeiro de 2019, o negócio foi novamente reestruturado, focando apenas no recrutamento online e contratação de talentos.
Fundada por Paula Moraes, Augusto Frazão e Juliano Tebinka (ex-MadeiraMadeira), a Intera criou uma metodologia proprietária chamada Hunt Hacking, método de atração de talentos combinado com tecnologia, inteligência de dados, automações e estratégias online. A triagem abrange 5 pilares: técnico, comportamental, cultural, adequação às especificações da vaga e interesse em entrar na empresa.
A companhia diz ter sido responsável por cerca de mil contratações tech sênior no país em 2021, em empresas como iFood, Itaú, Vivo, XP, Accenture, Boticário e B3. A startup também atende unicórnios como Creditas, Hotmart e QuintoAndar. Sem abrir números específicos, a HRTech afirma ter crescido 125% a base de clientes no ano passado, encerrando 2021 com 265% a mais de crescimento na receita em comparação com o ano anterior.
Rodada e use of proceeds
As negociações com a Citrino Ventures começaram no início do ano – um pouco antes do mercado de venture capital virar de cabeça para baixo e o volume de investimentos diminuir em todo o mundo. “O momento atual é delicado, todo mundo sendo conservador no investimento e segurando dinheiro. Mas já estávamos avançados com a Citrino [e um aporte] acabou fazendo sentido para as duas partes”, diz Paula.
Ela observa que alguns elementos da Intera podem ter ajudado a atrair os investidores: o modelo “as a service” e o fato de a startup já ser uma empresa lucrativa. “A Intera tem fôlego financeiro e aguentaria sem necessariamente ter dinheiro de investidores. A captação não era tão latente para nós quando é para muitas empresas que estão no mercado, queimam muito caixa e precisam do venture capital para sobreviver”, pontua a empreendedora.
Segundo Paula, ter a captação como gasolina para acelerar os negócios e não uma necessidade de sobrevivência tornou o processo menos tenso. Com o aporte, a Intera pretende aprimorar a tecnologia do InHire, seu software proprietário especializado em hunting para recrutamento tech. A solução foi ao ar no início do ano e atende Totvs, Matera, Grupo SBF (Centauro), Grupo Lello, Agrotools, entre outros.
O InHire é integrado ao LinkedIn para ajudar os recrutadores a trazer candidatos qualificados aos processos seletivos. A solução coleta os principais parâmetros e requisitos de uma vaga e entrega perfis aderentes, calculando a porcentagem de compatibilidade do candidato com a empresa, e permite acompanhar em tempo real dados, status das vagas e desempenho no processo seletivo.
Além do desenvolvimento do produto, o aporte será destinado para reforçar os investimentos em marketing e vendas, fazer o lançamento oficial do SaaS no mercado e expandir a base de clientes – a expectativa é ter 50 até o fim do ano. A startup vê na Citrino Ventures um parceiro que pode ajudá-la a atrair potenciais clientes, fazer contatos estratégicos e apoiar a startup em gestão e estratégia.
A vez das HRTechs
O contexto macroeconômico não é dos mais favoráveis em termos de investimento de venture capital. No entanto, o setor das HRTechs se destacou positivamente no primeiro semestre, de acordo com um relatório da Sling Hub. Na América Latina como um todo, essas startups receberam US$ 306 milhões em investimentos entre janeiro e junho – quase 9 vezes mais do que os US$ 35 milhões obtidos um ano antes.
Algumas empresas lideraram o movimento. No início do ano, a Gupy fechou uma rodada de R$ 500 milhões, liderada pelo SoftBank e pela Riverwood, além dos já investidores Endeavor Catalyst. Oria Capital e Maya Capital. Em fevereiro, a Sólides recebeu US$ 100 milhões da gestora de private equity Warburg Pincus e, no mês seguinte, foi a vez da Flash levantar um cheque do mesmo valor em em rodada série C liderada pelos fundos Battery Ventures e Whale Rock.
“De um tempo para cá o mercado percebeu que o Recursos Humanos tende a ser o coração das empresas. É muito mais importante contratar as pessoas certas do que propriamente ter os processos bem desenhados e replicáveis. A inovação vem crescendo e, com isso, o RH se torna mais estratégico”, pontua Paula. A executiva afirma que movimentações como as da Gupy, Sólides e Flash abriram os olhos de fundos que antes eram mais fechados para o segmento e devem puxar a fila para um boom no mercado nos próximos anos.
O setor ganha ainda mais relevância ao falar de apagão tecnológico – termo usado para falar da falta de profissionais formados no setor. No Brasil, estima-se que empresas de tecnologia demandem 797 mil talentos de 2021 a 2025, de acordo com a Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e Tecnologias Digitais (Brasscom). No entanto, com o número de formandos aquém da demanda, a projeção é de um déficit anual de 530 mil talentos em cinco anos.
“Tem muito mais vagas do que profissional no mercado, o que gera desafios em termos de recrutamento e salário, com profissionais que não são sêniores ganhando como se fossem”, diz Paula. Ela afirma que o papel da Intera nesse contexto é gerar entendimento de mercado para as empresas, com dados e informações para que possam refletir sobre requisitos, nível de senioridade e salário das vagas para que consigam contratar. “É munir as companhias com dados em tempo real sobre o que está acontecendo nos seus processos seletivos e no mercado como um todo.”
Paula acrescenta que, no médio prazo, a Intera deve resgatar as raízes de capacitação, mas sem deixar de lado a parte de recrutamento. “Ao intermediarmos os processos seletivos a gente sabe porque as pessoas estão sendo aceitas ou perdendo vagas. Com tecnologia escalável conseguimos contribuir com o ecossistema, entrando com educação de upskilling e ajudando as pessoas a se desenvolverem nos pontos mais importantes”.