Com base em seus aprendizados dos últimos anos, a Nestlé está evoluindo seu programa de inovação aberta. A empresa centenária de alimentos reinventou seu engajamento com startups, e prevê novas frentes que incluem projetos focados em sustentabilidade.
Lançado em julho de 2021, o Panela é o resultado das experiências da gigante do setor de alimentos junto a startups nos últimos quatro anos. Em sua configuração atual, a iniciativa promove a inovação e transformação na companhia através da conexão e colaboração com diversos atores do ecossistema. O objetivo é apoiar a ambição da Nestlé, de construir os sistemas alimentares do futuro.
Para a companhia suíça, que emprega mais de 20 mil pessoas no Brasil, estes sistemas se referem a uma forma holística de tratar a produção alimentar. “O negócio na área de alimentos era muito linear, mas cada vez mais temos nos apropriado de uma visão mais abrangente, que abraça todos os pontos da cadeia. O Panela reflete isso”, diz Carolina Falcoski, gerente de inovação aberta na Nestlé, em entrevista ao Startups.
O Panela compreende a interação com parceiros empresariais, universidades, os próprios colaboradores e startups. Nesta última frente, a companhia conta com o apoio de parceiros como Distrito, Endeavor, e a consultoria de inovação corporativa Innoscience, além do centro de inovação da empresa, em São José dos Campos (SP). Desde 2018, a empresa já se relacionou com 1,800 startups e desenvolveu cerca de 150 pilotos, dos quais 50 foram escalados.
Como a Nestlé trabalha com startups
O Panela engaja com startups de duas formas: a primeira é o conjunto de desafios que a companhia lança para o ecossistema, através de chamadas, e uma frente sob demanda. Neste momento, a Nestlé está prestes a bater o martelo sobre os temas a serem endereçados em seu primeiro desafio de 2022. Frentes a serem analisadas podem englobar temas como indústria 4.0, legaltech, agtech, supply chain e marketing. A empresa deve selecionar entre seis e oito startups.
No entanto, a empresa não espera que os desafios sejam exclusivamente resolvidos por startups. “Nosso trabalho também passa por dizer se um desafio tem ‘cara de startup’, entender as possibilidades. Às vezes, os desafios cabem em universidades, ou outros parceiros. Vamos formando uma árvore de decisão, e atendendo o negócio de várias formas”, diz Carolina.
Atualmente, a empresa deve finalizar três projetos da turma do ano passado, que devem ser entregues nos próximos dois meses. Enquanto o batch atual terá áreas de foco variadas, a Nestlé considera a possibilidade de fazer desafios como foco nos pilares da estratégia de sustentabilidade da empresa, que incluem circularidade, agricultura regenerativa e bioeconomia. Em 2018, a empresa lançou a Nature’s Heart, marca de produtos plant-based, área que recebeu um investimento de mais de R$40 milhões nos últimos três anos.
“Vemos muito potencial na Nature’s Heart e também no tema de bioeconomia aplicado à produtos plant-based baseados no bioma brasileiro, Temos muito a aprender nesse sentido, especialmente com startups da região Norte, para começar a trabalhar com os biomas locais e impactá-los positivamente”, ressalta.
A outra frente de engajamento com startups acontece através um modelo em que a equipe do Panela, de 10 pessoas, atua junto aos departamentos com uma abordagem consultiva. “Todas as áreas podem nos acionar ao longo do ano e fazemos esta conexão com as startups. Ajudamos a área de negócio a encontrar o melhor parceiro para suas necessidades”, diz Carolina.
“Dependendo da maturidade da unidade de negócio, pode ser o caso de um simples ‘plug and play’. Em outros casos, a gente acompanha, damos a mão para o sponsor interno e ajudamos com metodologias para conduzir projetos, pois trabalhar com startups é muito peculiar. Não é o mesmo que trabalhar da forma em que as pessoas estão acostumadas em relação a fornecedores”, pontua a executiva.
O trabalho com startups trouxe diversas transformações para os processos internos da Nestlé e o Panela se encarrega de disseminar boas práticas em áreas como jurídico e compras: “Se eu mantiver o meu prazo de pagamento usual, que é 90 dias, posso potencialmente quebrar o fluxo de caixa de uma startup. Por isso, começamos a adaptar alguns processos”, ressalta Carolina.
Além disso, o trabalho com as startups trouxe uma nova mentalidade em relação a entrega de projetos na gigante de alimentos. “Estamos super acostumados com grandes entregas e projetos, tudo muito glamouroso. O Panela vem para desconstruir a percepção do fazer pequeno”, pontua a executiva.
Desenvolvendo uma cultura de inovação
As experiências da Nestlé com startups até aqui mostraram a importância do envolvimento da alta liderança. Segundo Carolina, a diretoria da operação brasileira acompanha de perto a definição dos desafios, e muitas vezes faz parte das bancas que decidem se um projeto vira piloto, ou se vai escalar.
“A nossa diretoria busca entender como escolhemos uma startup em particular, as peculiaridades de se trabalhar com aquela empresa, as razões de ‘fatiarmos’ um projeto. Este entendimento é parte da criação de uma cultura de inovação e faz toda a diferença no resultado”, aponta.
No entanto, Carolina diz que o envolvimento do alto escalão é um processo: enquanto algumas lideranças já entendem tudo na primeira conversa e já pedem para o time dar seguimento, outras demandam mais tempo. “Há uma curiosidade, de entender como outras empresas estão [trabalhando com startups], as vantagens, por que deveríamos estar ali também; [líderes querem saber] o que estão bebendo, por assim dizer. Da nossa parte, explicamos como startups podem ajudar e temos trabalhado teses mais fechadas para facilitar a comunicação”, aponta.
Segundo a executiva, a principal forma de desenvolver o entendimento em relação a como startups podem contribuir é conseguir provar o valor de um projeto, começar pequeno e testar. “No saldo geral, o resultado é muito bom, vemos um amadurecimento importante nos últimos anos em relação ao entendimento por parte das lideranças, sobre como queremos navegar neste ecossistema, e da razão de estarmos ali”, avalia.
Entre os pilotos bem sucedidos até agora, estes uma solução de análise de decisões judiciais trabalhistas com base em inteligência artificial, fornecida pela legaltech Turivius. “Aprendemos muito com este projeto. Tínhamos um sponsor muito dedicado: ter um time que está a fim de fazer acontecer e acompanha o processo é essencial para um resultado bacana como o que tivemos”, pontua.
Para disseminar a cultura de startups na corporação, a unidade de inovação aberta da Nestlé tem os chamados Panela Champions. Este é um grupo de colaboradores que são incluídos na comunicação sobre as atividades junto a empresa de tecnologia, e são envolvidos em atualizações e capacitações, e são reconhecidos internamente quando avançam nessa frente.
“Outras empresas tem trabalhado com este formato, mas o que queremos com o Champions é que as pessoas se sintam realmente parte da Panela e multipliquem essa cultura”, comenta Carolina, acrescentando que agarra todas as oportunidades que aparecem para divulgar o programa. “A Nestlé é uma empresa enorme, então sempre damos um jeito de levar nossas pautas para todos os fóruns e, com o apoio do time de comunicação, usar bem nossos 5 minutos de fama.”
Objetivos da equipe de Carolina nos próximos meses de 2022 serão finalizar mais pilotos e escalar os que deram certo, além de continuar evangelizando a Nestlé sobre temas de inovação. “Queremos que as áreas que ainda não beberam da fonte da inovação aberta possam ter essa experiência, e que tenhamos que aumentar o time para conseguir promover mais conexões”, aponta.
“Uma coisa é evidente: depois que as pessoas trabalham com startups e tem contato com a mentalidade ágil, a estrutura enxuta, e tem sua expertise aprofundada, a experiência é com startups é transformadora. Depois que a pessoa experimenta, não tem mais volta”, conclui.