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Quando é hora de "apagar as luzes" de uma startup - ou não?

Sobreviver a qualquer custo ou "jogar a toalha"? Empresários compartilham experiências em um cenário desafiador

Fechar as portas
Fechar as portas. Crédito: Canva

No começo de 2023, muitos VCs já “deram a real”: em 2023, muitas startups não sobreviveriam ao inverno de investimentos reservada para o ano. A seca iniciada em 2022 se manteve, e os efeitos foram sentidos. Mais demissões para esticar o caixa e estender o runway na busca por sobrevivência, e muitas companhias encerrando suas atividades. Mas quando decidir que chegou a hora de “apagar as luzes”? O Startups conversou com fundadores que já passaram por esse momento para entender como tomar essa decisão.

2023 e a “extinção em massa” das startups

Lá fora, segundo muitos analistas, o tema preferido para definir a quebradeira de startups em 2023 foi “evento de extinção em massa”. Segundo dados do Pitchbook, foram mais de 3,2 mil startups fechadas, isso sem contar inúmeras outras que não chegaram a entrar nas estatísticas. Para o Brasil, não existe um número consolidado de companhias que fecharam as portas de um ano pra cá. Mas a percepção de especialistas consultados pelo Startups é que, o jogo irou, já que nem todo mundo estava preparado para jogar sob as novas regras – em que a visão focada no crescimento e em futuras rodadas foi substituída pela busca por sustentabilidade.

“Em 2020 e 2021, mais fundadores daqui começaram a jogar segundo o playbook do Vale do Silício. Entretanto, quando os investimentos secam, chega a decisão: ou eu invisto em crescimento sustentável ou continuo jogando o jogo?”, avalia Pedro Waengertner, CEO da ACE.

Pedro Waengertner, cofundador e CEO da ACE
Pedro Waengertner, cofundador e CEO da ACE. (Crédito: Divulgação)

Segundo Pedro, quem continua jogando o jogo do crescimento e das rodadas esbarra em um obstáculo crucial: o dinheiro. “Tem empresa que tem um modelo tão dependente de venture capital, que não tem espaço de manobra”, pondera o CEO. É o caso que vimos em algumas startups de varejo que fecharam as portas de um ano para cá, como as varejistas online Muni e Merqueo, que investiram para escalar rápido suas operações, mas viram que seu modelo calcado em queima de caixa não se segurava.

Do lado de quem se manteve funcionando, o custo também foi alto – vide as inúmeras notícias de layoffs durante o ano, ou downrounds para quem conseguiu algo com os VCs. Entretanto, para o CEO da ACE, a capacidade de se reinventar se tornou a palavra-chave. “Quem quer jogar o jogo de longo prazo, aceita recuar cinco casas, para andar duas mais adiante”, afirma Pedro.

Fugindo da “morte”

Se conforme o “livrinho” do Vale do Silício, fechar a startup que não deu certo e partir para outra é algo mais comum, aqui no Brasil, as coisas são um tanto mais complicadas. “O empreendedor brasileiro é um tipo muito resiliente. Além disso, aqui é muito mais difícil jogar, o mercado não é tão grande”, afirma Jorge Vargas Neto, fundador e CEO da Bhub, plataforma de gestão para empreendedores.

Para seu mais recente negócio, Jorge carregou a experiência de suas duas startups anteriores. A primeira, a fintech Biva, quase afundou por falta de investidores. “Tinha um term sheet com a monashees e Kaszek, mas eles pularam fora, o que me queimou no mercado de VC na época. Levei uns 40 nãos”. MAs Jorge não levou isso pelo lado negativo. Olhando em retrospecto, ele diz entender a decisão dos investidores já que ele não estava preparado naquele momento. “Isso me fez ser um empreendedor melhor. Neurótico e mais resiliente”, comenta. O sentimento de “no hard feelings” foi tanto que hoje, as duas gestoras são investidoras da Bhub.

A trajetória de reforça Jorge reforça um ponto comummente destacado por especialistas: uma startup falhar não é, por si só, um problema. Aliás, a tendência é que a maior parte das iniciativas realmente não vingue. Faz parte do jogo. A questão principal é como as coisas acontecem e como as lições aprendidas são colocadas em prática.

No caso da Biva, Jorge segurou a onda do negócio a partir de outros investidores. “Fui diluindo, mas consegui sobreviver com investidores estratégicos, e vendi em 2017 para o PagSeguro“, diz o empresário.

Jorge Vargas Neto, fundador da Bhub. (Crédito: divulgação)

Em seu segundo negócio, a Zen Finance, quem “deu para trás” foi a Valor Capital, durante a pandemia, o que impactou o negócio e colocou a companhia em uma corrida contra o tempo para não fechar as portas. “Eu precisava vender, pois o dinheiro iria acabar. Dessa vez, porém, nem pestanejei e já fui em investidores estratégicos”, afirma Jorge, que vendeu a Zen para o RappiBank em 2021.

Na visão de Jorge, o que ele fez em ambos os seus negócios anteriores é algo essencialmente brasileiro. “Aqui a gente não larga o osso fácil. A gente é naturalmente direcionado a dar um jeito, de ir até onde dá para solucionar“, dispara o CEO da Bhub. “O que aprendi nisso tudo é que é preciso falar com o mercado, tanto fundos quanto players estratégicos, e não só na hora que a empresa precisa de dinheiro”, pontua.

O lado de quem fechou

Se a falta de dinheiro é algo mais comum para as startups que fecham ou estão lutando contra esse fim, por outro lado outros fatores entram na equação. “Tem uma segunda razão, que é quando o gás dos sócios acaba, e essa é uma das razões mais difícil de entender”, afirma Pedro Waengertner.

Para Guilherme Parente, cofundador e CEO do finado app de food delivery Apptite, esse segundo aspecto foi o que mais pesou na hora de encerrar atividades no ano passado. Mas isso aconteceu depois de mais de um ano tentando “dar um jeito”. A empresa começou como um app dedicado a vender pratos de chefs independentes ao consumidor final, mas se viu em meio a uma dispendiosa guerra contra gigantes, especialmente o iFood.

Para sobreviver, a empresa mudou seu modelo de negócios para um viés B2B, com o plano de colocar chefs independentes em diferentes plataformas de entrega, como iFood, Rappi e a Uber Eats, que então ainda estava em operação no Brasil. “Queríamos ser o Olist do food delivery para chefs independentes”. Entretanto, com o domínio do iFood no mercado, esse modelo não se manteve de pé também.

“A gente não parou por falta de dinheiro, mas sim por não saber como continuar. Pensamos em uma nova pivotada, mas seria entrar em uma estratégia de queima de caixa muito grande, modo sobrevivência total. Chegou num ponto em que não tinha mais visão e propósito, então tomamos a decisão de fechar”, explica Guilherme, que hoje atua como executivo na edtech Learn To Fly.

Guilherme Parente, CEO da Apptite
Guilherme Parente, fundador da finada startup Apptite.(Crédito: divulgação)

Segundo Guilherme, essa visão de sobrevivência – o “não largar o osso” citado antes pelo CEO da Bhub – cobra um preço. “Você só vai ter gás e energia se tiver visão e propósito. Tanto que vejo por aí empresa que já morreu e ainda não sabe, pois racionalmente não tá atendendo aos pontos essenciais”, dispara Guilherme.

Contudo, como se recupera este propósito quando o abismo está logo ali à frente? Pedro Waengertner pontua que é preciso olhar o próprio negócio com um olhar desapaixonado, sem desculpas ou justificativas. Para finalizar, ele propõe um desafio.

“Se Elon Musk assumisse o teu negócio, só com o skill dele, conseguira salvar ele?”, afirma, com um sorriso no rosto. “A maioria responde que sim, e aí eles se dão conta que falta a coragem ou a audácia para fazer certas coisas que são necessárias”, completa.