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Conheça as empresas de tech que superam o Ibov este ano

Desempenho positivo do segmento de tecnologia na bolsa pode indicar que apetite por IPOs está voltando? Saiba o que dizem os analistas

Edifício da B3 em São Paulo
Edifício da B3 em São Paulo. Foto: Divulgação

O mercado de ações brasileiro sofreu no ano passado, com o Ibovespa – principal índice da B3 – acumulando queda de mais de 10%. Em 2025, porém, o cenário tem sido mais animador. O Ibov encerrou o primeiro trimestre com alta de 8,29%, com desempenho positivo de boa parte das empresas de tecnologia. Com isso, seria este, finalmente, o ano do retorno dos IPOs?

Levantamento do consultor Einar Rivero, sócio-fundador da Elos Ayta Consultoria, feito com exclusividade para o Startups, considerou as 16 empresas da bolsa brasileira que fazem parte do segmento econômico de Tecnologia da Informação. Entre elas, nove tiveram desempenho positivo de janeiro a março deste ano – sendo que seis tiveram valorização acima do Ibovespa.

A principal delas é a Infracommerce, que registrou uma alta de mais de 120% nas ações no primeiro trimestre deste ano. A empresa de soluções digitais para e-commerce concluiu a abertura de capital em 2021 na B3. Só nesta segunda-feira, os papéis da empresa subiram mais de 20% após divulgação de resultados trimestrais considerados positivos pelo mercado, com redução do prejuízo líquido e aumento das receitas.

Além do balanço, outras movimentações têm contribuído para a valorização. Na última sexta-feira, a empresa anunciou que o investidor e fundador da GTF Capital, Rafael Ferri, comprou 6,52% das ações ordinárias da companhia. No dia 21 de março, a Infracommerce informou, por meio de comunicado ao mercado, que firmou acordo com os Correios para desenvolver um marketplace da empresa pública.

Outra companhia que se destacou no trimestre foi a WDC Networks, que também abriu capital em 2021, e oferece produtos e serviços que vão de telecomunicações à energia solar, passando por cibersegurança e data center. A empresa registrou alta de 31,7% nas ações no acumulado deste ano. Recentemente, a WDC concluiu a aquisição de 51% da Infinite Consulting, empresa de consultoria na área de telecomunicações e engenharia de redes.

Logo atrás, vem a Bemobi Tech, de soluções de pagamentos, que também realizou IPO em… isso mesmo, 2021. As ações da empresa tiveram alta de mais de 26% de janeiro a março deste ano. Relatório do Itaú BBA sobre a companhia, divulgado há duas semanas, destacou o desempenho sólido da empresa nos resultados trimestrais, com bom pagamento de dividendos (rendimento de 16%). O banco chegou a dizer que investir na companhia é “muito melhor do que petróleo”.

Ainda entre as companhias que tiveram valorização acima do Ibovespa, estão a TOTVS, cujos papéis subiram mais de 25% neste ano, a Méliuz (alta de 18,91%) e a Multilaser (15,09%).

“No deserto de IPOs que estamos hoje, este tipo de informação mostra que já tem gente matando a sede nas redondezas”, afirma Gustavo Junqueira, sócio e COO da KPTL.

Marcello Gonçalves, sócio-fundador da DOMO.VC, ressalta que mesmo com a valorização deste ano, muitas dessas empresas acumulam perdas desde a abertura de capital. É o caso da Infracommerce, por exemplo, que apesar de ter subido mais de 120% em três meses, acumula queda de quase 84% em um ano. O mesmo vale para a WDC Networks, que registra queda de mais de 20% em 12 meses.

É possível que as altas deste trimestre indiquem um início de recuperação, mas é preciso cautela com os riscos. “Eu diria que, em uma parte grande dos casos, principalmente nas mais novas, houve uma grande destruição de valor e não uma apreciação de valor”, pondera Marcello.

O que isso significa para os IPOs?

Para Bianca Martinelli, sócia da Alexia Ventures, o bom desempenho das empresas de tecnologia neste momento pode ser um sinal de que o apetite por IPOs está começando a voltar.

“Se os investidores perceberem que o setor está se valorizando de forma consistente, isso pode incentivar novas ofertas, principalmente de empresas que já estavam se preparando para abrir capital, mas acabaram adiando por causa dos juros altos. Mas para que os IPOs voltem de vez, outros fatores precisam se alinhar. A taxa Selic ainda precisa cair mais, o cenário econômico precisa estar mais previsível e o mercado global tem que estar mais favorável ao risco. Ainda assim, esse movimento positivo pode ser o empurrão que startups e scale-ups precisam para reconsiderar um IPO como opção para crescer”, avalia.

Marcello, da DOMO.VC, destaca que no Brasil a bolsa não tem um papel de poupança, como acontece nos Estados Unidos, por exemplo. E os juros altos contribuem para esse comportamento, já que com a Selic a 14,25% ao ano, acaba fazendo mais sentido deixar o dinheiro na renda fixa, com menos risco.

“A bolsa brasileira é muito especulativa, ela é muito pouco focada nos fundamentos das empresas, de curto, médio e longo prazo. E isso acaba gerando muito mais operações de trade focadas em operações de mercado do que propriamente um julgamento do valor real da empresa”, avalia o sócio da DOMO.VC.

O último IPO realizado na B3 foi o início da negociação dos Brazilian Depositary Receipts (BDRs) do Nubank, em dezembro de 2021. Ao todo, foram 46 ofertas públicas iniciais em 2021, um recorde histórico que foi seguido por mais de três anos de seca nesse mercado.

As startups cumprem um papel central nesse sentido, já que a estreia em bolsa é considerada o objetivo final dessas empresas. É nesse momento que os aportes realizados por investidores, como fundos de venture capital, retornam, movimentando o mercado.

“O setor de tecnologia sempre teve um papel chave nos IPOs, porque muitas startups crescem rápido e precisam de capital para escalar ainda mais. Nos últimos anos, com o cenário macroeconômico desafiador, os IPOs de tech desaceleraram no Brasil. Mas na América Latina, não podemos olhar só para isso. O mercado de fusões e aquisições (M&A) e o mercado secundário também estão ganhando força como alternativas para dar liquidez a startups e investidores”, aponta Bianca.

Segundo a investidora, no primeiro semestre de 2024, o Brasil liderou o mercado de M&A na região, com 747 transações que movimentaram cerca de US$ 20 bilhões.

Bianca acredita ainda que, caso haja uma retomada dos IPOs nos Estados Unidos, é possível que se veja um reflexo no Brasil. “Especialmente porque gestoras globais que atuam nos EUA também olham para tech na América Latina. Mas, para os IPOs voltarem de vez no Brasil, fatores locais, como a taxa Selic e a previsibilidade econômica, ainda são determinantes”, diz.

Menos otimista, Marcello acredita que seria necessário uma mudança no comportamento dos brasileiros com relação à renda variável. Segundo a B3, havia 5,3 milhões de pessoas físicas no Brasil investindo na bolsa em 2024 – o que corresponde a cerca de 5% da população economicamente ativa.

Para o investidor, a bolsa brasileira oferece poucas oportunidades para empresas que demandam mais tempo para se consolidar e oferecer crescimento. “Eu acho que os IPOs de tecnologia, principalmente os mais recentes, foram IPOs muito oportunistas de empresas que em tese não conseguiriam próximos rounds e que acabaram fazendo uma saída em bolsa num momento favorável, mas que se mostraram completamente inviáveis como empresas abertas. Eu acho que o mercado de IPOs deveria ser muito importante para o mercado de VC, mas no Brasil ele não é, porque a gente não pode confiar nele”, afirma.