Antes de pensar em empreender e construir uma das maiores HRTechs do Brasil, Mônica Hauck decidiu estudar História. Mas não demorou muito para perceber que sua vocação estava em outro lugar. “Descobri que seria uma péssima historiadora porque gosto muito mais de futuro do que de passado”, conta.
Ainda na faculdade, fez estágio em um museu. Mas enquanto observava obras de arte, só conseguia pensar nas tecnologias e inovações possíveis para tornar aquilo mais acessível ao maior número de pessoas possível. A inquietação e vontade de transformar as coisas e propor soluções a levou ao empreendedorismo.
Ao lado do sócio e marido, Alessandro Garcia, Mônica fundou a Sólides, plataforma completa para o setor de Recursos Humanos de pequenas e médias empresas. Um dos maiores cases atuais no setor, a startup começou 2022 com uma série B de R$ 530 milhões liderada pela gestora de private equity Warburg Pincus. Em abril do mesmo ano, fez a primeira aquisição de sua história e comprou a Tangerino para ampliar sua oferta de serviços. E mais recentemente, Mônica foi reconhecida com o prêmio Top of Mind de RH na categoria Empresária de Destaque.
Mesmo com todas as conquistas, a palavra ‘sucesso’ ainda não faz parte de seu vocabulário. Determinada, ambiciosa e com a clareza do que ainda quer alcançar, Mônica reconhece as vitórias até aqui, mas segue traçando seu caminho para chegar nos próximos passos. Em um papo de peito aberto com o Startups, a empreendedora falou sobre sua trajetória, o que aprendeu com os erros, visão para a Sólides e maternidade. Veja, a seguir, os melhores momentos da conversa.
Você é historiadora de formação. O que te motivou a mudar de área de atuação profissional?
Fiz faculdade de história, mas nunca cheguei a entregar um currículo em uma escola, e eu sabia que nunca iria. Fiquei 7 anos na faculdade; fiz bacharelado, licenciatura e pós-graduação. Para mim, o objeto de desejo sempre foi conhecimento. Tinha muita vontade de conhecer mais sobre política, antropologia, psicologia, entre outras áreas. E vi na história uma oportunidade de pegar um pouquinho de tudo, porque é um curso bem generalista, e pude aprender muita coisa. Foi uma questão de conhecimento. Nem imaginava que um dia usaria esses conhecimentos trabalhando com tecnologia ou RH.
Porém tudo que fui acumulando ao longo do tempo me deu um olhar diferenciado sobre a gestão de pessoas. As coisas foram se conectando. Na faculdade aprendi muito sobre comportamento coletivo, o que me ajudou na hora de tocar a Sólides anos mais tarde. Não sabia que queria empreender, não venho de família empreendedora e nunca tive estímulo. Mas aconteceu. Quando a gente se abre para as oportunidades, a gente acaba fluindo na direção em que temos maior vocação.
Descobri que seria uma péssima historiadora porque gosto muito mais de futuro do que de passado. Fazia um estágio em um museu, olhava as obras de arte e pensava em como as pessoas deveriam ter a oportunidade de acessar aquilo de qualquer lugar do mundo. Ficava pensando nas tecnologias para tornar a obra de arte visível para todos – e isso não existia na época. Estudava o passado sempre focada no futuro. Foi por aí que encontrei o empreendedorismo: olhava para uma coisa e queria melhorá-la. Tinha muito a ver com não se conformar com as coisas como elas são e querer transformar.
Você sempre falou abertamente sobre a trajetória da Sólides, inclusive sobre o que deu errado. A empresa vinha registrando um crescimento médio, mas por volta de 2015, você e o seu sócio, Alessandro Garcia, quase quebraram. Como foi passar por esse momento e o que você aprendeu da experiência?
Aprendi muitas coisas, principalmente sobre o que não fazer. Na época, tinha certeza que minha estratégia estava certa e meu sócio tinha uma visão diferente. Na ocasião, não ouvi o meu sócio. Estava muito focada em achar que eu era a certa e que fazia o que estava fazendo. Se eu o tivesse escutado, teria evitado vários problemas.
Gosto de falar sobre isso, porque inúmeros negócios acabam por brigar de sócios. Existe uma questão de natureza humana, muitas vezes temos dificuldades de trabalhar com aquilo que é diferente de nós, estamos sempre procurando o igual. Em sociedade isso não pode acontecer. É preciso ter o foco naquilo que nos falta. Uma visão diferente e complementar é muito importante. Isso nos livra de vários erros.
Outro ponto foi a questão de começar pequeno. Fiz um cálculo errado, dimensionei errado o tamanho do investimento em tecnologia. Ao invés de fazer algo pequeno, ir vendendo e expandindo aos poucos, tentei construir um software muito grande. Chegou no meio do caminho, acabou o dinheiro e não tinha o software pronto. Quase quebrei tentando fazer um software de RH.
Poderia ter ficado traumatizada e decidir nunca mais trabalhar com isso, mas não. Às vezes a visão está correta, mas a estratégia de execução, errada. Não fiquei traumatizada com o erro. Aprendi e comecei a fazer o software de RH novamente, porque a visão sobre o que o público precisava estava correta.
Com a Sólides você lidera uma das principais HRTechs do mercado. Ser uma história de sucesso aumenta o peso da responsabilidade?
Sim. Vejo as notícias sobre o sucesso da empresa – e ainda bem que temos essas conquistas – e só vejo trabalho. As coisas continuam dando mais errado do que certo, são difíceis. A gente vai subindo de patamar e tudo fica mais complexo e a pressão aumenta. Você começa competindo na várzea, aí vai para o campeonato profissional, série A e quando vê está jogando Liga Mundial. Isso tem muito mais a ver com responsabilidade e trabalho duro do que qualquer outra coisa.
Somos muito gratos [pelo que já foi feito], mas temos muito o que caminhar e consciência de que as coisas vão ficar cada vez mais difíceis e precisamos dar conta. Não nos damos o luxo de baixar a guarda, achar que tá bom e que chegamos no sucesso. Estamos no meio de um caminho muito bonito, que se a gente executar bem, será uma grande história, mas a gente ainda não tem essa história completa. Não dá para relaxar e falar que somos um sucesso – essa palavra ainda não faz parte do meu vocabulário e não é como eu me sinto.
O que é sucesso para você?
Atingir o que se propôs a fazer, mas da forma correta e deixando um legado. Tenho alguns KPIs de sucesso muito objetivos, coisas que me propus a entregar e vou fazer isso. Mas cada dia que vivo como empreendedora percebo que a forma como faço isso importa muito. O seu legado muitas vezes não estará no que você fez, mas no como você fez. São as marcas que deixou no meio do caminho e as pessoas que andaram com você.
Para mim, sucesso é ter esse equilíbrio entre entregar o que se propôs e alcançar as ambições, mas construindo ponte e carregando uma multidão junto consigo. Subir no alto da montanha e descobrir que está sozinho não deve ter graça nenhuma. Mas chegar no topo com várias pessoas crescendo junto faz toda a diferença. De nada valeria ter uma empresa de bilhões, mas ter um nome que não está ligado à honestidade, trabalho duro e ser correto com as pessoas. Sucesso é uma mistura de resultado e legado.
Ao longo da sua trajetória você teve que conciliar a sua vida profissional com a maternidade. Como você faz para conciliar as responsabilidades pessoais com hobbies e as demandas da empresa?
Melhor do que conciliar, consigo viver bem no meio do caos. É bobagem achar que vai criar uma agenda: agora meus filhos, agora a empresa e fazer tudo bonitinho. Imprevistos acontecem; um problema no trabalho, um filho que fica doente. Tenho as minhas prioridades, sei o que vale mais e o que posso ou não negociar. Baseado nisso, me sinto confortável no meio do caos que é viver com tudo isso ao mesmo tempo.
Vivo intensamente a Sólides – e também vivo intensamente a maternidade e a vida familiar. Às vezes tenho que abrir mão de algumas coisas – o social já fica mais de lado. Nem sempre dá para sair com os amigos, mas de vez em quando dou um jeito de reencontrá-los. O segredo é ter clareza do que é prioridade. Não negocio estar perto dos meus filhos, mas muitas vezes negociei sono e vida social. Não tenho muito tempo para os hobbies. O que mais se aproxima é receber pessoas em casa, um ritual que introduzi esse ano e não abro mão. Semanalmente convido amigos ou familiares.
Também gosto muito de viajar, alimenta a minha alma. Gosto de pegar um carro e sair cruzando milhares de quilômetros, conhecendo vários países de uma vez. Estava planejando uma viagem para julho deste ano. Iria para o Leste europeu para passar um tempão na Ucrânia explicando um pouco de história para os meus filhos, abordando a questão do comunismo e totalitarismo na região. Começaríamos na Alemanha, passando pela Polônia e chegando na Ucrânia, mas [por conta da guerra] tivemos que deixar para mais tarde.
Gosto muito de fazer viagens com uma temática. Pegar as crianças e fazer, por exemplo, uma rota dos direitos civis. Aí entra meu lado historiadora, contando a história para os meus filhos. Muitas horas no carro, tendo várias conversas e reflexões.
Como você enxerga o seu futuro profissional? Pensa em fazer uma saída e empreender novamente?
Não gosto de ter plano B. Em termos de carreira, preciso fazer a Sólides crescer muito mais ainda e não deixo nenhum pensamento paralelo me ocupar. Tenho tanto medo de perder foco e energia que não penso em nada que desvie. Fiz um cálculo de quantas vezes ainda quero fazer a Sólides crescer e enquanto não chegar nesse número, não penso em nada fora disso. Gosto de ficar focada só no plano A.
Raio X – Mônica Hauck
Um fim de semana ideal tem… Amigos e família
Um livro: Qualquer um de literatura russa
Algo com que não vivo sem: Minha espiritualidade e meu relacionamento com Deus
Uma música favorita: Gosto muito de Metallica, mas sem uma música específica
Um prato preferido: Churrasco
Uma mania: Durmo pouco, então tenho mania de ficar bem ativa na madrugada. Às vezes são 4 horas da manhã e estou nadando ou correndo.
Sua melhor qualidade: Ambição e visão sobre as coisas. Sei reconhecer o que tenho e o que me falta, e consigo correr atrás disso.