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“Por que você não faz mais?” Esta foi a pergunta de Nathy Fogo Neres a André Barrence, diretor do Google for Startups, sobre a atuação do executivo em relação a reduzir desigualdades no ecossistema de startups brasileiro. O questionamento de Nathy, executiva do Google que trabalhava no Campus São Paulo e hoje atua no time de soluções para clientes da Big Tech, calou fundo para André.

“A partir daquela provocação positiva da Nathy, me peguei pensando que talvez tivesse questões sobre as quais nem tivesse consciência naquele momento, mas que precisava endereçar. Assim como boa parte das questões mais profundas, é algo que demanda um tempo para ser digerido e decantado”, diz André, em entrevista ao Startups. Desde aquele diálogo sobre a pauta racial em 2019, o diretor do Google for Startups conta que muita coisa mudou, tanto internamente quanto do ponto de vista profissional.

“É um processo contínuo, que se iniciou naquela conversa e trouxe um aprendizado constante, pois são questões [relacionadas a] raízes muito profundas. Mas isso me motivou e me trouxe energia e coragem para fazer mais”, diz André, que hoje se autodeclara pardo – portanto, negro, segundo a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que define pretos e pardos como negros.

Este processo de “tomada de consciência” avançou mais com a oportunidade de liderar o Black Founders Fund, fundo da gigante de tecnologia destinado a fomentar negócios liderados por pessoas negras, lançado no Brasil em 2020. Segundo André, o trabalho com o fundo contribuiu de forma decisiva para seu processo de construção de identidade enquanto homem negro.

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“Além do desafio que é construir um fundo liderar uma iniciativa desse porte, [o fundo] me trouxe a possibilidade de alinhar a minha história de vida pessoal com algo que eu realizo profissionalmente. Algo que tem um impacto direto naquilo que eu acredito ser importante para o meu trabalho como empreendedor e como uma pessoa que trabalha para o ecossistema: é um privilégio poder juntar estas duas coisas e o Google possibilitou isso”, pontua.

André é ciente de seus privilégios também em relação a ser um homem negro de pele clara: “Tenho muita consciência de que o fato de eu ter a pele clara e eu ter um pai branco por si só já me trouxe privilégios na vida, em que pese a minha origem bastante humilde. O que eu faço com isso a partir de agora, e o que é certo a ser feito, é mais importante”, ressalta o executivo.

“Meu papel é de alguma maneira de trazer o assunto à discussão e para a concretude. Principalmente, trazendo outros aliados, pessoas não-negras para a causa, que possam fazer mais pela população negra, especialmente a de pele retinta, que sofre as consequências [do racismo] diariamente”, frisa.

Mudando narrativas

Envolvido na avaliação das startups que participam do Black Founders Fund, André diz que o trabalho no fundo tem sido uma jornada “muito intensa”. As startups chegam através de inscrições e indicações de organizações que atuam junto a afroempreendedores, como a BlackRocks Startups, Preta Hub e Vale do Dendê, além de outros agentes atentos a iniciativas lideradas por fundadores negros.

“Ao longo destes meses de fundo, falamos com centenas de empreendedores. Dar a oportunidade para alguns e o feedback que não vamos investir para outros é muito difícil para o comitê de decisão – todos nós temos um forte senso de responsabilidade. Como a pessoa à frente deste trabalho, levo isso muito a sério”, pontua.

“Qualquer que seja a decisão, [causamos] um impacto muito grande. Estamos tendo a possibilidade de mexer em um ponto muito sensível não só do ecossistema, mas da sociedade brasileira”, acrescenta.

André Barrence, diretor do Google for Startups

A atuação do fundo também tem causado um impacto significativo dentro do Google no Brasil, diz André. “Temos conseguido mostrar internamente a potência [do fundo] e que não é só um Sonho de uma Noite de Verão, mas sim investindo em algo transformador e que requer esforços de médio-logo prazo. Essa venda interna tem sido muito gratificante, assim como a resposta das lideranças do Google Brasil e US”, ressalta.

Desde seu lançamento, o Black Founders Fund já investiu em 33 startups lideradas por pessoas negras, de 8 estados brasileiros. As empresas criaram cerca de 170 empregos – 85% contrataram desde que passaram pelo programa. Cerca de 25% levantaram novas rodadas e o adicional levantado pelas empresas apoiadas pelo Google chegou a R$25 milhões.

Testamento da resposta positiva do alto escalão da Big Tech à iniciativa é a disponibilização de R$ 8,5 milhões adicionais para o fundo, anunciada na semana passada. Segundo o head do Google for Startups, a percepção de que mais capital seria necessário já era um fato desde 2020, dado o volume de negócios que se inscreveram para a iniciativa.

“Ao longo de todo esses meses, ao mesmo tempo em que fomos investindo e compondo um portfólio, estávamos construindo essa história para os nossos investidores internos”, diz André, acrescentando que o fundo tem o apoio de muitas pessoas negras engajadas, além de várias lideranças não-negras.

“Quando mostrei os números [do fundo] como o investimento adicional que estas empresas atraíram, a quantidade de empregos gerados e outras métricas sobre número de usuários e consequentemente, potencial destes negócios [para o Google], esse conjunto de informações virou algo muito poderoso internamente, que informou a tomada de decisão”, aponta.

Apesar de o fundo para founders negros ser um projeto de longo prazo, André espera avanços expressivos para os próximos meses. Segundo o executivo do Google, a expectativa é fazer “um número significativo” de investimentos, com mais representatividade geográfica.

André espera que as startups apoiadas tenham conseguido levantar de 5 a 10 vezes mais capital do que o montante investido, demonstrando a continuidade do processo de crescimento em que o fundo apostou. E que o número de postos de trabalho gerados pelas startups salte para 500 novas posições.

“Principalmente, esperamos poder contar histórias de sucesso muito concretas desses empreendedores impactando seus mercados, que precisam ganhar ser conhecidas, ganhar relevância e virar referência”, pontua o executivo. “Para além do crescimento e dos resultados das startups, o que a gente está mudando aqui também são as narrativas.”

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