Nos últimos anos, a América Latina evoluiu consideralvelmente em diversidade e representatividade feminina no ecossistema de startups. Este ano, pela primeira vez, um terço dos aportes feitos na região foram destinados a startups lideradas por mulheres, ou com pelo menos uma no conselho. O volume investido nessas empresas saltou de 16% em 2019 para 31% em 2022, de acordo com o recente relatório da Associação Latino-Americana de Private Equity & Venture Capital (LAVCA), feito em parceria com a Microsoft e a Bertha Capital.
Mas o cenário ainda está longe do ideal. Apesar de serem 4,7% do ecossistema, startups fundadas só por mulheres receberam apenas 0,04% dos mais de US$ 3,5 bilhões aportados no mercado brasileiro em 2020, segundo o Female Founders Report 2021, estudo elaborado pelo Distrito em parceria com a Endeavor e a B2Mamy. A pesquisa sugere que para 60% das empreendedoras o principal desafio é escalar a startup, seguido pela validação do modelo de negócio (56,4%), a falta de boas conexões com investidores, mentores e outros empreendedores (44,6%) e a dificuldade em captar investimentos (38,8%).
“Apesar da disparidade, startups com lideranças femininas têm apresentado resultados excelentes e conquistado investidores”, afirma Brian Begnoche, sócio fundador da plataforma de investimentos EqSeed ao Startups. Segundo o executivo, as mulheres estarem mais representadas no universo das startups, além da coisa certa a se fazer, é também estratégico.
Isso porque a presença feminina na gestão dos negócios pode influenciar de forma positiva os resultados. Um levantamento do Mckinsey Global Institute revela que a igualdade de condições de trabalho pode aumentar em 30% o Produto Interno Brasileiro (PIB), o que indica correlação entre maior produtividade econômica da mulher e o crescimento do país, já que mulheres geram oportunidades e empregos para outras.
Uma recente pesquisa da IDC indica que investimentos em startups lideradas por mulheres traz “resultados significativamente melhores para os investidores”. O estudo aponta que igualdade de gênero está relacionada com a performance financeira de uma empresa, e que companhias com mais mulheres em cargos executivos são 25% mais propensas a serem rentáveis. Além disso, destaca que mulheres investidoras estão liderando investimentos em negócios aliados aos pilares ESG (ambiental, social e governança), guiadas mais pelo propósito do que pelo retorno financeiro.
As vantagens do crowdfunding
Segundo Brian, o modelo de captação por equity crowdfunding online pode ser uma saída para as mulheres acessarem mais espaço nesse mercado. “Na captação tradicional, offline, você precisa ir atrás de diversos investidores, apresentar a empresa inúmeras vezes. Captando online, você consegue ter acesso a um grupo já consolidado de investidores – todos eles investindo pelos mesmos termos de investimento e segundo o mesmo valuation. Todas as informações ficam centralizadas em um lugar só, e o acompanhamento é em tempo real. A empreendedora tem controle total do processo com menos esforço”, pontua.
Para Beatriz Antibero, cofundadora da fitech Ulend, o crowdfunding oferece algumas vantagens importantes para as fundadoras de startups especialmente aquelas em estágio inicial. Ao lado de Gabriel Nascimento, a empreendedora levantou R$ 1,8 milhão por meio da EqSeed em apenas 3 dias, em 2019. “Estávamos no início da empresa, uma época em que fazíamos muitas coisas operacionais. Saia para pedir investimento, fazia o marketing e buscava clientes – não tinha muito tempo para decidar à busca de capital”, diz Beatriz, em entrevista ao Startups.
No crowdfunding, a empreendedora destaca a facilidade de acessar vários investidores de uma só vez. “A plataforma captação se posiciona como uma pessoa imparcial na negociação, avaliando todas as suas informações. Para uma empresa que está começando, isso auxilia muito em questão de tempo dedicado à captação e facilita o trabalho”, completa Beatriz.
Para Igor Monteiro, sócio e diretor de negócios da EqSeed, a plataforma democratiza o acesso. “Ainda que esteja mudando, o mercado de VC tradicional no Brasil ainda é muito restrito a um grupo de empreendedores, quase como se o proceso fosse se auto-excluindo”, afirma Igor. Ele explica que os fundos acabam valorizando mais empreendedores que já tiveram sucesso no passado ou possuem experiências fora do país. Segundo Igor, isso gera uma bolha que limita as oportunidades para empreendedores de diferentes perfis e regiões do país.
“Seja do lado do investidor ou empreendedor, a plataforma permite que qualquer pessoa participe, oq que acaba equalizando as oportunidades nas duas pontas”, pontua. No caso da Eqseed, 7 empresas lideradas por mulheres captaram R$ 6,26 milhões, que representam quase 11% do total já investido através da plataforma. “Juntamos 2 mercados que historicamente não são femininos: o financeiro e de tecnologia. Desde 2019 começamos a fazer um trabalho de apoio a empresas fundadas e lideradas por mulheres”, observa Igor.
De acordo com o executivo, o primeiro passo da companhia foi considerar, durante a avaliação das empresas, se a startup tem uma fundadora mulher. “Estamos constantemente evoluindo o processo de seleção. Hoje analisar os founders já faz parte da nossa metodologia. É um avanço, mas ainda há muito a ser feito”, diz Igor. Do lado dos investidores, por exemplo, a base segue sendo majoritariamente masculina. “A plataforma lida com essa desigualdade em diferentes pontas. É um trabalho de formiguinha, mas estamos avançando a partir do momento em que isso começa a ser um fator na fase de seleção”, pontua.
Cases de sucesso
O primeiro exit da história da EqSeed foi liderado por Stéphanie Fleury. Fundadora da DinDin, 1ª fintech do Brasil criada somente por mulheres. A empreendedora vendeu a startup para a Bitz, carteira digital e conta de pagamento do Bradesco, em setembro de 2020, tornando-se a 1ª mulher a vender uma startup para um banco na América Latina. Mas antes disso, ela levantou R$ 600 mil via crowdfunding em 2018 para sua startup.
“Sempre acreditei no negócio, tanto que banquei sozinha desde o início. Lógico que chegou um momento que precisei recorrer a investidores, mas esbarrava no fato de que queriam uma pessoa com track record em startups ou um registro de exit”, diz Stéphanie, em nota. “A verdade é que o mercado de startups, em que as grandes rodadas acontecem, geralmente é formado por um público mais seleto e masculino. A EqSeed nos apoiou desde o primeiro momento e isso foi fundamental”, pontua.
Outra empreendedora que teve sucesso no crowdfunding foi Aline Santolia. Sua startup de e-commerce de produtos orgânicos, a Orgânicos In Box, recebeu R$ 2,5 milhões em junho de 2021. “Escolhemos a captação via financiamento coletivo por entendermos que o modelo contribui com valores do negócio, que é baseado no engajamento da comunidade e transparência”, conta a CEO. A startup aproveitou os recursos para investir no desenvolvimento da plataforma de vendas e assinaturas e na expansão comercial.
Também no ano passado, a foodtech Kuke realizou sua primeira rodada e captou R$ 500 mil com a plataforma. “Acredito que a única coisa que diferencia as mulheres dos homens no mundo dos negócios é o acesso às oportunidades. As mulheres têm muito a contribuir para a inovação e o empreendedorismo no Brasil e me sinto orgulhosa de viver em uma época em que há um franco apoio para a abertura de negócios capitaneados por mulheres”, diz Renata Ferretti, presidente e fundadora da startup.