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A criação de um contrato mais aderente às particularidades do investimento em startups é uma demanda antiga do mercado brasileiro. Um dos motivos é a falta de segurança jurídica do modelo atual, o mútuo conversível. Um levantamento feito pelo escritório Mattos Filho mostrou que há mais de 100 decisões na Justiça envolvendo o mútuo conversível nos últimos 10 anos, a nível nacional. A maior parte delas é de investidores exigindo o dinheiro de volta.

O Mattos Filho contribuiu com a elaboração do projeto de lei complementar (PLP) 252/2023, de autoria do senador Carlos Portinho (PL-RJ), que cria um novo modelo de contrato para esse tipo de operação, o Contrato de Investimento Conversível em Capital Social (CICC). O texto está tramitando atualmente no Senado e, caso seja aprovado, segue para a Câmara dos Deputados.

CICC x mútuo conversível

A diferença é que, ao contrário do mútuo, o CICC não tem natureza de dívida. Isso significa que, se a startup der certo, os valores investidos na empresa serão futuramente convertidos em participação societária. Se der errado e a startup quebrar, o investidor perde o dinheiro, mas não é responsabilizado como sócio e, assim, fica livre de riscos operacionais, como dívidas trabalhistas e tributárias.

“A lógica do investidor nesse tipo de negócio é um pouco diferente, especialmente no early stage. É meio binário: ou o investimento dá certo e se converte em participação, e aí o investidor vende essa participação por um valor muito maior do que investiu. Ou o cenário dá errado e o investidor entende que perdeu o investimento. Não tem no Brasil um instrumento contratual aderente a essa lógica”, explica Tomás Neiva, sócio das práticas de Venture Capital e de Societário/M&A do Mattos Filho.

O CICC é inspirado no Simple Agreement for Future Equity (Safe), um modelo padrão de contrato utilizado no mercado internacional. Existem iniciativas brasileiras para adaptar o mútuo ao modelo do Safe, entre elas, o Mais (Modelo de Acordo de Investimento em Startup) e o Misto (Mútuo para Investimento Simplificado com Termos Otimizados). Em ambos os casos, porém, o contrato continua sendo de dívida.

“Esse esforço de utilização do Safe e padronização do mercado já foi feito no Brasil e é louvável. Só que, na nossa visão, apesar de louvável, a iniciativa não resolve a natureza jurídica do documento. Com o CICC, é criado um ambiente de neutralidade, que não tem natureza de dívida, nem gera responsabilização para o investidor. Uma vez criado esse ambiente, o mercado pode se organizar e criar um modelo como o Misto que seja amplamente aceito, mas sobre uma base jurídica mais sólida”, aponta Tomás. 

Insegurança jurídica

No mútuo conversível, o investimento é classificado como uma espécie de empréstimo. Em geral, são incluídas cláusulas para especificar que o dinheiro investido não tem caráter de dívida e que não deve ser devolvido caso a startup não dê certo. No entanto, isso nem sempre é suficiente.

“O mútuo atende perfeitamente à finalidade de ser uma fonte de recursos, mas a natureza de dívida traz algumas incertezas sobre a própria devolução dos recursos. Tem vários casos, principalmente nesse momento de mercado menos aquecido, em que o investidor cobra a dívida, o que não deveria ser o caso”, aponta Tomás.

Gustavo Laudanna Alvoreda, advogado associado da prática de Venture Capital do Mattos Filho, conta que, no final do ano passado, a grande maioria dos processos julgados na Justiça paulista envolvendo o mútuo conversível eram de investidores tentando executar a dívida. Um dos casos que se tornaram públicos foi o da Vela, de bicicletas elétricas, que encerrou suas operações depois que investidores pediram a execução de uma cláusula do contrato de mútuo conversível assinado cinco anos antes que previa que eles poderiam pedir seus recursos de volta caso o endividamento da empresa chegasse a R$ 100 mil.

Tributação

Outra questão resolvida com o CICC é a tributação dos investimentos em startups. Do lado do investidor, havia a dúvida sobre o que acontecia após a conversão do investimento em participação societária. E, do lado do empreendedor, como esse recurso seria tributado em caso de falência da startup. Para Gil Falleiros Mendes, sócio da prática de Tributário do Mattos Filho, um dos pontos abordados no projeto de lei é dar neutralidade fiscal para esse tipo de operação.

“O que a gente vê em rodadas de investimento são as questões tributárias serem levantadas e gerarem certo desconforto. É preciso esclarecer qual será o tratamento fiscal dado na conversão em capital social. O que o projeto de lei faz é oficializar o que já acontece na prática, que é tributar o investidor pelo ganho de capital quando a participação é vendida, como o que acontece no mercado de ações”, afirma Gil.

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