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Fintechs brasileiras têm apenas 14 mulheres como diretora presidente

Levantamento "Women in Fintech" mostra que, apesar da presença crescente, a maioria das mulheres ainda ocupa cargos operacionais, enquanto a liderança segue majoritariamente masculina

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Fintechs
Betina Wecker (Appmax), Daniela Froener (Silva Lopes Advogados) e Gabriela Aieta (C6 Bank) em painel sobre a presença feminina no mercado de pagamentos, durante a Semana Caldeira (Foto: Divulgação)

Embora o setor de fintechs seja um dos mais inovadores do país, as barreiras de gênero ainda persistem em cargos de liderança. O levantamento “Women in Fintech: Agora é a nossa vez”, do escritório Silva Lopes Advogados, mostra que, das 354 empresas reguladas pelo Banco Central, apenas 146 (41,2%) têm pelo menos uma mulher na diretoria. Nesses casos, elas ocupam, em média, 37,8% das posições, ou seja, pouco mais de uma em cada três cadeiras.

“Apesar de o mercado de meios de pagamento ser relativamente novo, regulamentado em 2013, ele parece seguir a tendência dos mercados financeiro e de capitais, tradicionalmente dominados por homens”, afirma Daniela Froener, sócia e COO do escritório Silva Lopes Advogados. A realidade, segundo Daniela, reflete um histórico cultural em que homens trabalhavam fora de casa enquanto as mulheres permaneciam em funções domésticas.

Ela explica que, quando o mercado de pagamentos começou a crescer no Brasil, ocorreu uma migração de talentos: “Muitas pessoas que atuavam nos setores tradicionais se arriscaram neste novo mercado. Como quem trabalhava lá antes eram principalmente homens, eles também migraram, o que contribuiu para o cenário atual”, pontua.

O cenário é ainda mais restrito no topo da hierarquia. Apenas 14 mulheres (11,6%) ocupam o cargo de Diretora Presidente em instituições autorizadas pelo Banco Central, nove (4,2%) atuam como Administradoras e nove (4,2%) como Diretora Executiva.

Considerando todas as posições de liderança máxima – Diretoras Presidentes, Administradoras e Diretoras Executivas – o levantamento mostra que apenas 8,3% das fintechs reguladas pelo Banco Central têm mulheres nesses cargos. O cálculo leva em conta o total de 354 empresas reguladas e reflete a soma das mulheres que ocupam qualquer posição de comando estratégico, reforçando o baixo nível de representatividade feminina no topo das organizações.

“Hoje, as mulheres estão cada vez mais presentes no dia a dia das empresas, especialmente no setor de meios de pagamento, mais do que nos mercados financeiro ou de capitais. No entanto, os cargos que ocupam ainda são, em sua maioria, operacionais”, alerta Daniela. “Os números mostram que poucas mulheres conseguem chegar a posições de destaque ou ocupar cargos executivos e de presidência.”

A dificuldade na ascensão profissional, segundo a especialista, está ligada a fatores estruturais. “Quando fazemos pesquisas, o machismo é citado com frequência e aparece em todas as áreas e setores”, afirma. Nos mercados financeiro, de capitais ou de meios de pagamento, isso se manifesta, entre outras formas, em um certo estranhamento: “Quando você participa de uma reunião com diretorias e líderes executivos, às vezes é a única mulher na sala. Isso gera estranhamento nos outros, porque são mercados tradicionalmente masculinos. As mulheres que tentam ingressar nesses setores sofrem com essa percepção”, observa.

Ela também cita a síndrome do impostor, marcada por sentimentos de inadequação, insegurança e dúvidas sobre as próprias capacidades. Um estudo da KPMG de 2023 apontou que 75% das executivas em diferentes setores já vivenciaram essa condição em algum momento da carreira. Mesmo com formação acadêmica, certificações e treinamentos, muitas têm dificuldade em reconhecer seu valor. Como resultado, acabam trabalhando por mais horas para se provar, hesitam em pedir ajuda e, em alguns casos, evitam assumir tarefas mais desafiadoras. “As mulheres tendem a arriscar menos e enfrentam mais obstáculos para se expor e assumir riscos”, diz Daniela.

Diversidade como vantagem competitiva

Além dos dados oficiais, a pesquisa ouviu 103 mulheres que atuam no mercado brasileiro de fintechs. A maioria tem entre 26 e 35 anos, é formada em Direito e possui pós-graduação ou MBA. Elas trabalham no setor, em média, há um a três anos, ocupando cargos de analista Pleno ou Sênior em empresas de porte médio (51 a 500 funcionários), principalmente nos segmentos de pagamentos e infraestrutura.

Apesar dos desafios, o estudo mostra que aumentar a presença feminina traz benefícios concretos para o setor. Entre as profissionais ouvidas, 71,8% afirmaram que a presença feminina é essencial para a inovação, e 66% relataram que a diversidade melhora a tomada de decisões.

“Uma diretoria formada apenas por homens tende a reunir pessoas com experiências e pensamentos semelhantes, o que dificulta o surgimento de ideias fora da caixa. Por isso, a presença de mulheres nesses ambientes, com suas perspectivas e vivências, agrega inovação ao negócio”, afirma Daniela.

Ela ressalta que o mesmo vale para outras interseccionalidades, como pessoas negras, indígenas, com deficiência e LGBTQIA+. “A inovação é essencial para garantir a sustentabilidade da empresa no longo prazo, e só é possível inovar de verdade quando se incluem pessoas diferentes”, conclui Daniela.

Questionada sobre quais ações podem ajudar a mudar a realidade de gênero no mercado financeiro brasileiro, Daniela aponta dois caminhos, começando pelas próprias mulheres. “Confiem mais em si mesmas. Se preparem, arrisquem-se e deem a cara a tapa. Quem já atua no setor pode atuar como mentora, orientar as novas profissionais e apoiar umas às outras”, recomenda.

Já para as empresas, Daniela destaca a importância de criar oportunidades intencionais para mulheres, especialmente nos processos de eleição de diretoria e na disputa por novos cargos. Segundo ela, é fundamental valorizar os resultados entregues pelas mulheres e incentivar o crescimento interno, para que elas avancem na carreira e ocupem cada vez mais posições de liderança.